Para comemorar quatro décadas, o jornal
Correio lançou no dia 15 de janeiro no
Marina Summer House o livro CORREIO - 40 Anos de Inovação. Escrito pelo
jornalista Nelson Cadena, a obra de 40 capítulos conta os principais momentos
vividos pelo jornal criado em 1979. O Correio foi o quinto jornal diário a
circular na Bahia. Os outros eram Diário de Notícias, A Tarde, Jornal da Bahia
e Tribuna da Bahia. Além dos jornais diários, a cidade contava com três
sucursais que produziram notícias diárias para leitores do resto do país:
Jornal do Brasil, O Globo e O Estado de S.Paulo.
A descoberta na Bahia da maior mina de ouro do Brasil foi a manchete do número de estreia.. Desde que surgiu, há 40 anos, o Correio da
Bahia fez questão de chamar atenção para a forte ligação do jornal com a
cultura local. Os dizeres, saberes e figuras que circulam pela cidade da Bahia
eram destaques no Caderno de Cultura. Fui contratado para trabalhar no Correio
da Bahia no dia 01 de novembro de 1978 e fiquei até 30 de junho de 1987 (como
consta na carteira de trabalho) no cargo de Editor do Caderno de Cultura.
Minha equipe era formada por jovens
jornalistas como Shirley Pinheiro, Osmar Martins, Luís Claudio Garrido e Vera
Gondim. Esta última indicada pela família de ACM. Mais tarde integrou a equipe
Rogerio Menezes e Clodoaldo Lobo (Lobo antes era repórter do Caderno Cidade). Uma
das coisas que mais me impressionava no trabalho de Clodoaldo Lobo é que muitas
vezes, ele entrevistava o artista, anotava poucas linhas e quando chegava na
redação transcrevia na integra tudo o que foi analisado na entrevista. E sempre
teve (e tem) uma postura ética na profissão. Admirável!
A língua adequada do soteropolitano, os
assuntos de interesses dos baianos, a quebra da invisibilidade de uma certa
parte da cultura baiana (os demais jornais só focavam em artistas de grande
sucesso), o mapeamento da cultura suburbana, tudo isso ajudou a alavancar a
credibilidade do Caderno de Cultura que alcançou altos picos na primeira década
de existência do jornal.
Ana Lúcia Magalhães entrou para escrever a
coluna Gente do início até 1986. Diferente das outras colunas sociais, Ana
atualizava o cotidiano e a cultura da sociedade baiana. Muitas vezes ela
acompanhava a gente nos bastidores da noticia (show no TCA para ir ao camarim
dos cantores ou atores etc), passávamos muitas informações de primeira. E ela
era uma pessoa muito simples e direta. No Circo Troca de Segredos, um dos
grandes momentos da cultura alternativa da Bahia, ela frequentava com a gente
os espetáculos.
Vale registrar que depois que saí do
Correio, já nos anos 2000 a 2007 nas edições de domingo, o jornal começou a
publicar o Correio Reporter, com grandes histórias da cultura local: museus,
cinemas antigos, teatros, grandes atores, atrizes, escritores, bailarinos etc,
além de dar grande ênfase nas questões de identidade negra e racial.
O Caderno de Cultura foi também o primeiro
na cidade a publicar matérias de comportamento. Ou seja, pessoas simples mas
que tinham uma marca forte na localidade como o vendedor de picolé da praia da
Barra que era muito conhecido pela sua forma peculiar de vender o produto,
cantando versos, ou mesmo uma senhora que morava nos Barris e tinha uma coleção
valioso de bonecas (mais de 600). Como não conseguia ter filhos, essas bonecas
eram tratadas como filha. A matéria teve boa repercussão e até virou capa de um
dos LPs do grupo Chiclete com Banana. Também matéria das garotas de faziam
toples na praia da Boca do Rio, os cantores iniciantes do subúrbio, as peças de
teatro alternativos e toda voz que era invisível, mas tinha força na comunidade
teve espaço no jornal.
Na época o editor do caderno não poderia
assinar as matérias, mesmo que escrevesse. Então, além de publicar matérias
especiais (como comemorar 30 ou 40 anos de algum personagem de HQ, Pasquim,
etc), escrevia colunas de literatura, música e quadrinhos. Em 1980 publiquei a
coluna diária, “Cronologia das HQs”. É bom lembrar que na época o CBa foi o
primeiro do Nordeste a registrar fatos cronológicos dos quadrinhos no Brasil,
EUA e Europa desde o século XVIII até o século XX.
Na época do Carnaval conseguir publicar trechos
de músicas carnavalescas que mais fizeram sucesso. “Cante conosco os anos de
folia” registrou de 1852: “E viva o Zé Pereira” até 1984: “Eu quero um banho de
cheiro na Bahia”. Sucesso que resolvi décadas depois registrar no meu blog: http://blogdogutemberg.blogspot.com/2007/02/cante-conosco-os-anos-de-folia-1.html
Além disso, todas as segundas tínhamos uma
página inteira para mostrar o que iria acontecer na semana na área cultural da
cidade (cinema, teatro, música, literatura, artes plásticas etc) e na sexta
outras páginas para os acontecimentos do fim de semana. Eram edições que tinham
vendagem certa. O público leitor se acostumou a ter todos os momentos culturais
da localidade naqueles dois dias da semana. Fazíamos também grandes debates com
os artistas para discutir entraves, saídas, soluções e alternativas da cultura
no Estado. Na época tinha todos os contatos com agencias cinematográficas,
empresários, programadores, artistas plásticos, músicos, atores e atrizes,
cineastas etc. Isso facilitava muito o desenvolvimento das pautas culturais que
tinha que produzir com editor do caderno.
A imprensa baiana sempre deu espaço para a
cultura, importante segmento que interessa ao público leitor. Mas só a partir
da década de 80 com o surgimento do Correio da Bahia que a cultura local teve
mais visibilidade. Já que as ações de cultura não são noticiadas na condição de
agentes transformadores da condição de indivíduos, esta nossa sociedade em
sentido mais amplo por sua vez não tem conhecimento de que elas existem. Apenas
os indivíduos que são beneficiados diretamente têm a condição de percebê-las,
pois, a imprensa convencional ainda é a fala autorizada comum e principal fonte
de informações para o conjunto da maioria das pessoas.
A imprensa, por se tratar de um produto do
mundo moderno e por fazer parte de um sistema complexo de mercado, a
transformação social através da cultura pode lhe passar despercebida ou
desinteressante. A imprensa baiana sempre deu destaque aos grandes artistas,
mas o que dizer da nova geração que surgia naquela época cuja efervescência era
o axe music, o teatro alternativo e debochado, o cinema free, as artes
plásticas que revolucionavam com nomes como Cesar Romero, Justino Marinho e
tantos outros, a literatura marginal, a poesia rebelde dos novos e dos poetas
da praça, as artes gráficas que ressurgia com força com a presença de um clube
de quadrinhos que reforçava os artistas baianos, os grafites, e toda uma arte
transformadora. Começando
a perder o medo de ser negra, a Bahia atravessou a década no passo do Ilê Ayê e
do Olodum, que ocuparam as ruas num rito de contagiante liberdade.
Vale destacar que Setúbal foi o principal
chargista do jornal. Um equívoco de Cadena: o nome completo de Setúbal é Paulo
Henrique Setúbal (e não Paulo Roberto). Na reforma editorial o Correio deixou
de publicar a charge diária (1990), e a partir de 1992 passou a contar apenas
com ilustradores: Carlos Simas, Caó, Rezende e Daniel. Na década seguinte,
Franklin Mendes, Juha Vasku, Flávio Luiz e Wilton Bernardo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário