31 maio 2019

O inovador Juarez Paraíso na Academia de Letras da Bahia


Um dos nomes mais importantes da cultura baiana contemporânea, o professor e artista plástico Juarez Paraiso tomou posse na cadeira número 39 da Academia de Letras da Bahia (ALB) na última quinta-feira, 30 de maio de 2019. Juarez é professor, pintor, escultor, gravador, fotógrafo, muralista, publicitário, cenógrafo, figurinista, decorador e artífice. Artista gráfico de todas as técnicas (xilogravura, metal, serigrafia, offset), pintor de todas as tintas (do pincel à pistola). Um artista completo. Juarez Paraíso nasceu em 1934 na pequena Arapiranga. Seus pais vieram, parar em Salvador no início na década de 30. Deles herdou a rara sensibilidade – a mãe tocava bandolim e o pai era professor. Com apenas 14 anos entrou para a Escola de Belas Artes. Com 16, por necessidade, iniciou carreira de professor de desenho. Formou-se em pintura, gravura e escultura. Começou a ensinar na UFBa. Em 1992 passou a ser diretor da Escola de Belas Artes da UFBa. As atitudes, aliadas ao seu audacioso trabalho, tornaram Juarez uma espécie de maldito, dentro do fechado mundo artístico de Salvador.

 


Na adolescência Juarez era fã de histórias em quadrinhos, apaixonado pelos traços dos artistas Alex Raymond (Flash Gordon), Burne Hogarth (Tarzan), Harold Foster (Príncipe Valente) e Will Eisner (O Spirit). Mais tarde essa influência quadrinística irá aparecer em seus trabalhos. “Aqueles desenhistas das histórias em quadrinhos foram os primeiros a chamar a atenção do menino para uma arte mais nova. Eles representam uma quebra da tradição: nas formas atrevidas quer substituíam a realidade do bom desenho, no exagero, na atmosfera que criavam, e no assunto desenvolvido em torno das eternas lutas do bem contra o mal. A influência dos quadrinhos surge nas entrelinhas de trabalhos de Juarez, pelo uso de estratégicos recursos do domínio das arte que provocam o mesmo impacto, como a distorção de quem tem o domínio do correto, bem diferente da outra de quem não sabe fazer corretamente”, escreveu a crítica de arte Matilde Matos no livro A Obra de Juarez Paraíso. Na Escola de Belas Artes foi aluno de Raymundo Aguiar, mestre que nas horas vagas fazia caricatura para a imprensa alternativa utilizando-se do pseudônimo K-Lunga. Também foi aluno dos mestres Alberto Valença, Emídio Magalhães e Mendonça Filho.

 


Temido e odiado pelos acadêmicos, rejeitado pelos medalhões e amado, sobretudo, por seus alunos, Juarez Paraíso faz parte da segunda geração de artistas baianos modernos. Fez duas bienais nacionais de artes plásticas (1966 e 1968), três números da Revista da Bahia, a Galeria Convívio, e participou de toda a luta para criar uma associação de artistas modernos, um sindicato e conseguiu a regulamentação da profissão. Esses ideais morreram com a suspensão da segunda bienal, em 68 e a prisão de Juarez. Mais tarde ele fez diversos murais paras a cidade, monumentos, esculturas, a decoração do Carnaval baiano (um deles com tema em louvor a Jorge Amado), foto-design e no cinema viveu Pedro Arcanjo no filme Tenda dos Milagres, dirigido por Nélson Pereira dos Saltos. Dirigiu o curta sobre a gravura da Bahia na década de 60.

 


Em 1966 ele fez uma arte ambiental no Cine Tupy, obra futurista de terceira dimensão. Ele sempre buscou a experimentação e a pesquisa nas artes plásticas. O desenho a bico-de-pena e o trabeculado de linhas são o seu forte. A habilidade e a desenvoltura em tratar o material sobre o papel ou tela fazem de Juarez Paraíso o mestre da sua época. Sua obra está marcada pela qualidade e modernidade. Expôs no Peru, Espanha, Chile, EUA, entre outros países apresentando trabalhos em pintura, desenho, fotografia, serigrafia, gravura, tapeçaria, cenário para teatro e cinema, sempre com tendências vanguardistas. Artista dos mais renovadores, sempre em constante pesquisa não só nas artes gráficas como também no campo da escultura e mural. Em 1996 conclui seu mandato de diretor da Escola de Belas Artes e se aposentou como professor após 44 anos no exercício da profissão e recebeu o título de Professor Emérito.

 


E Jorge Amado o descreveu com dois adjetivos opostos, mas não contraditórios: solidário e solitário. “Solidário com a vida, com a luta do homem, com o tempo e o chão presentes, com as vocações violentadas, com os jovens, armado em guerra contra a injustiça, a miséria, as limitações, contra tudo quanto lhe parece feio e mau (…) solidário com seu tempo, sua terra, seu povo, seus artistas – generoso, militante, solidário promotor de cultura (…) criador vário e inquieto, múltiplo, que não se parece com nenhum outro, solitário em sua criação”.



Parte da sua obra sucumbiu diante da intolerância religiosa. Era de Juarez Paraíso os mosaicos que retratavam o nascimento de Oxumarê, instalados nos antigos cinemas Arte I e II, que ficavam no Politeama. Os painéis foram destruídos a marretadas, em 2000, quando a Igreja Renascer em Cristo comprou o espaço. Além da destruição, picharam por cima dos destroços “Deus é Fiel”. O artista perdeu outros painéis em situações parecidas. Um ficava no Cine Tupi e foi destruído quando a multinacional CIC comprou o espaço. Um mural de 40 metros quadrados de sua autoria ruiu quando a Igreja Universal comprou o Cine Bahia, que ficava na Carlos Gomes. No caso das obras que estavam nos cines Art I e II, Juarez foi à Justiça.

 


Ícone de inquietação e modernidade durante décadas no âmbito das Belas Artes baianas, Juarez Paraíso foi um dos primeiros artistas a se utilizar na arte do produto da natureza. Ele fez uso das cabaças para compor instigantes esculturas na intenção de derrubar a mítica em torno do sexo, gerador da vida entre os seres animados. Buscava as formas sugestivas, a perfeição das superfícies curvas, e sem mudar a cor natural, uniu as cabaças às significativas aberturas, saliências, reentrâncias e tonalidades dos búzios, amolgados com a fibra de vidro. Como em qualquer trabalho de Juarez, se no esboço anterior que cria deixa claro o conceito, a perfeição da técnica ao unir as peças assegura a integridade da escultura.



Numa época em que existia alta e baixa cultura, o preconceito contra a cultura popular, incluindo aí as histórias em quadrinhos, Paraíso não esqueceu de seus sonhos de infância. Foi nele beber na fonte a inspiração para produzir quadros baseados em personagens dos velhos gibis da infância. Em outros países os quadrinhos entraram na moda através do movimento artístico pop art. A Pop Art anunciou o fim dos limites entre “alta” cultura e cultura popular.

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