Ele é poderoso e inteligente. E tem um
conjunto de regras que se recusa a quebrar como nunca mentir (para ele isso é
degradante) e ama ver o circo pegar fogo sem sujar suas mãos. Seu poder de
persuasão faz com que seja capaz de manipular as pessoas. Estamos falando de Lúcifer,
um personagem da editora Vertigo, uma divisão da DC Comics, bem como sua
revista em quadrinhos homônima. O personagem é diretamente baseado no anjo
caído.
Inicialmente, ele surge idealizado por
Neil Gaiman como um personagem secundário nas páginas da aclamada série de
quadrinhos Sandman; e depois é detalhado e expandido por Mike Carey em título
próprio, utilizando-se de todos os mitos judaicos e cristãos sobre os anjos e
suas batalhas, não deixando de mencionar as histórias de cunho místico que não
se vinculam a nenhuma das religiões principais.
Lúcifer surgiu nas páginas de Sandman, de
Neil Gaiman, era o governante do Inferno que entendiado decidi fechar os
portões do inferno e ir para o mundo dos mortais, baseado na aparência de David
Bowie e na versão do demônio criada por John Milton em Paradise Lost. Logo
ganhou uma serie própria de quadrinhos, com 75 edições lançadas entre 2000 e
2006, pelas mãos de Mike Carey, que foi bastante elogiada pelo público e pela
crítica.
A série tanto dos quadrinhos quanto da TV
segue o basicamente o mesmo prelúdio. Narrando os acontecimentos da vida de
Lúcifer Morningstar (Lúcifer Estrela-da-Manhã) após ele ter abandonado o
Inferno e ter se estabelecido entre os mortais,
em sua boate/piano bar chamada Lux (latim para luz) junto de sua amante
e companheira Mazikeen .
O foco da série é a dicotomia entre a
noção de destino (personificado como a vontade divina) e a noção de livre
arbítrio, sendo esse o motivo da punição de Lúcifer que se rebelou contra a
ideia original da criação. Outro aspecto que permeia a série são os arquétipos
pré-concebidos sobre a função do diabo, como a crença de que o pecado é a
tentação do mal e não o resultado de nossas escolhas ou o papel dele com compra
e venda de almas, como se fosse um mercador. Em muitas edições ele se revolta
contra esses arquétipos e como os mortais o culpam pelos males do mundo.
O personagem dos quadrinhos tem mais
semelhanças com o Lúcifer do clássico inglês
“Paraíso Perdido” de John Milton: uma figura bela, que exala liderança,
apaixonada, soberba, ciente de sua força e de sua inteligência. Uma alma nobre,
atormentada, de natureza aristocrática e dotado de um código de honra que segue
à risca. O Lúcifer de John Milton e dos quadrinhos do selo Vertigo tem esse ar
de desprezo pela fraqueza, de pouco caso com os que aceitam a obediência.
Desprezo pela moral dos fracos, dos que ficam à espera de um mundo melhor no
por vir.
Preferido do Criador, o Portador da Luz é
um ser amargurado por se sentir traído por Deus ao descobrir que uma eternidade
de serviços prestados será ignorada em prol de uma nova raça criada pelo
Senhor: os homens. Claramente inferiores aos Anjos, sem sua beleza,
inteligência e força, mas que receberão o maior presente de Deus – negado aos
Anjos – o livre arbítrio. Em sua fúria ao ter todo seu amor e serviço não
valorizados e em ter negado o direito ao livre arbítrio, Lúcifer articula uma
rebelião nos Céus, sendo por fim derrotado por Miguel Arcanjo.
Derrotado, jogado ao Inferno com sua hoste
de seguidores, Lúcifer por fim transforma a derrota em conquista, declarando
aos seus seguidores o direito de tomar suas próprias decisões, seguirem seus
desejos, reinando a seu modo. É deste personagem Miltoniano – e não do bíblico
– que Neil Gaiman bebe para contar a história de Lúcifer, quando o mesmo
percebe que não, ele ainda não tem seu livre arbítrio. Que seu reinado
individual no Inferno é falso.
Deus quem decide as regras de salvação ou
condenação da alma e quem envia ao Inferno ou perdoa os atos. O julgamento das
ações humanas é sempre de Deus, nunca de Lúcifer. Este apenas recebe as almas
mandadas por uma Ordem Superior. Lúcifer percebeu que estava sendo enganado.
Ele não reinava. Obedecia. Ele não era livre, mas mantinha seus vínculos de
vassalagem com o Todo Poderoso.
A série de quadrinhos é filosófica.
Discute a questão do livre-arbítrio e da predestinação, a criação da
identidade, a ansiedade da responsabilidade pelas próprias decisões e pela
criação do próprio destino em um mundo que está sempre em mudança; onde a noção
de hierarquia está deteriorada e não existem mais papéis fixos. De certa forma,
o personagem Lúcifer está até o pescoço envolvido com todos os assuntos que
sociólogos como Zygmunt Bauman retratam na atual modernidade líquida.
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