Há 502 anos, quando o Brasil ainda era
adolescente, nasceram nossas primeiras regras de censura. Isso mesmo, em 1517
os portugueses começaram a montar o tripé institucional que regulamentaria a
censura na metrópole (e consequentemente na colônia) até 1768. Juízes
eclesiásticos denominados Ordinário, representantes do Estado absolutista (cuja
instituição era chamada de Mesa do Desembargo do Paço), e pelo Santo Ofício da
Inquisição. Era essa a estrutura formada para censurar.
A censura nesses primeiros séculos, tanto
no Brasil quanto em Portugal, seguia ditames religiosos, amordaçando grandes
literatos como Gil Vicente e até Camões. Segundo a professora de História da
USP, Maria Luíza Tucci Carneiro, “o argumento usado para apreender e queimar
livros é que eles feriam a verdadeira fé católica. É uma luta contra o herege,
o inimigo número um deles”.
A repressão só começaria a mudar de ritmo
com a ascensão do marquês de Pombal ao poder português. Assim, o ministro do
rei Dom José 1º cria, em 1768, a Real Mesa Censória, instituição formada por
leigos e religiosos que passou a regulamentar as perseguições oficiais. “A
censura ganha um tom político” conta Maria Luiza. “Perseguia não mais o
cristão-novo, mas os maçons, que representavam a trama de algo secreto contra o
governo, os teóricos da Ilustração, como Voltaire, e os jesuítas, grandes
inimigos de Pombal”.
Essa nova censura política se estenderia
ao Brasil, que só deixou de espelhar as práticas censoriais portuguesas depois
de 1808, com a abertura dos postos e o nascimento oficial da imprensa no país.
E a mordaça no Brasil não parou mais. Um mês depois da Proclamação da
República, em 1889, já existia um decreto restringindo a atuação da imprensa.
Em 1923 é decretada a Lei Adolfo Gordo (senador paulista) que cerceava a
atuação da imprensa, e o alvo era os anarquistas e comunistas.
E como explicou a professora: “O século 20
é o auge da censura. E os seus dois grandes momentos são, claramente, o período
Vargas, com o DIP e a polícia política atuando como aparatos censores e
repressores, e, depois, a ditadura militar, sobretudo o período de 1968 a
1975”. “A censura é a mais forte arma que os regimes totalitários têm
utilizado, desde a Antiguidade, para impedir a propagação de ideias que podem
pôr em dúvida a organização do Poder e o seu direito sobre a sociedade.
Sempre, em todos os tempos, os homens que
detêm a direção de um Estado se valem da força para fazer cair os que contestam
a sua legitimidade. Pensar diferente foi considerado crime no Antigo Regime, na
época moderna, como foi em vários períodos de nosso século”, escreveu a
professora Anita Novinsky no capítulo “Os regimes totalitários e a censura”.
Quem deseja conhecer toda a trajetória da
censura em território brasileiro não deve deixar de ler a obra organizada por
Maria Luiza, “Minorias Silenciosas – A História da Censura no Brasil”, lançada
pela Edusp, Imprensa Oficial de SP e a Fapesp. O livro reúne ensaios e
depoimentos de 22 intelectuais de campos distintos. Trata-se de um time de
historiadores, professores de literatura, jornalistas, sociólogos e educadores.
Eles fazem uma análise sobre a censura à atividade intelectual e artística em
diferentes momentos da história brasileira, desde o período colonial até os
anos posteriores ao golpe militar de 1964.
“A
repressão à liberdade não é só inerente aos governos autoritários – lembra José
Mindlin na orelha do livro -, ela pode ter outras origens – a Igreja, a
existência de classes mais fortes e mais fracas, e as injustiças da sociedade
em geral”. “Se quisermos combater a censura, não será ridicularizando seus
excessos, mas contestando o seu cerne”, afirma Renato Janine no prefácio da
obra. (Texto escrito em 2010)
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