21 maio 2019

Mordaça brasileira


Há 502 anos, quando o Brasil ainda era adolescente, nasceram nossas primeiras regras de censura. Isso mesmo, em 1517 os portugueses começaram a montar o tripé institucional que regulamentaria a censura na metrópole (e consequentemente na colônia) até 1768. Juízes eclesiásticos denominados Ordinário, representantes do Estado absolutista (cuja instituição era chamada de Mesa do Desembargo do Paço), e pelo Santo Ofício da Inquisição. Era essa a estrutura formada para censurar.

 


A censura nesses primeiros séculos, tanto no Brasil quanto em Portugal, seguia ditames religiosos, amordaçando grandes literatos como Gil Vicente e até Camões. Segundo a professora de História da USP, Maria Luíza Tucci Carneiro, “o argumento usado para apreender e queimar livros é que eles feriam a verdadeira fé católica. É uma luta contra o herege, o inimigo número um deles”.

 


A repressão só começaria a mudar de ritmo com a ascensão do marquês de Pombal ao poder português. Assim, o ministro do rei Dom José 1º cria, em 1768, a Real Mesa Censória, instituição formada por leigos e religiosos que passou a regulamentar as perseguições oficiais. “A censura ganha um tom político” conta Maria Luiza. “Perseguia não mais o cristão-novo, mas os maçons, que representavam a trama de algo secreto contra o governo, os teóricos da Ilustração, como Voltaire, e os jesuítas, grandes inimigos de Pombal”.



Essa nova censura política se estenderia ao Brasil, que só deixou de espelhar as práticas censoriais portuguesas depois de 1808, com a abertura dos postos e o nascimento oficial da imprensa no país. E a mordaça no Brasil não parou mais. Um mês depois da Proclamação da República, em 1889, já existia um decreto restringindo a atuação da imprensa. Em 1923 é decretada a Lei Adolfo Gordo (senador paulista) que cerceava a atuação da imprensa, e o alvo era os anarquistas e comunistas.



E como explicou a professora: “O século 20 é o auge da censura. E os seus dois grandes momentos são, claramente, o período Vargas, com o DIP e a polícia política atuando como aparatos censores e repressores, e, depois, a ditadura militar, sobretudo o período de 1968 a 1975”. “A censura é a mais forte arma que os regimes totalitários têm utilizado, desde a Antiguidade, para impedir a propagação de ideias que podem pôr em dúvida a organização do Poder e o seu direito sobre a sociedade.



Sempre, em todos os tempos, os homens que detêm a direção de um Estado se valem da força para fazer cair os que contestam a sua legitimidade. Pensar diferente foi considerado crime no Antigo Regime, na época moderna, como foi em vários períodos de nosso século”, escreveu a professora Anita Novinsky no capítulo “Os regimes totalitários e a censura”.

 


Quem deseja conhecer toda a trajetória da censura em território brasileiro não deve deixar de ler a obra organizada por Maria Luiza, “Minorias Silenciosas – A História da Censura no Brasil”, lançada pela Edusp, Imprensa Oficial de SP e a Fapesp. O livro reúne ensaios e depoimentos de 22 intelectuais de campos distintos. Trata-se de um time de historiadores, professores de literatura, jornalistas, sociólogos e educadores. Eles fazem uma análise sobre a censura à atividade intelectual e artística em diferentes momentos da história brasileira, desde o período colonial até os anos posteriores ao golpe militar de 1964.



 “A repressão à liberdade não é só inerente aos governos autoritários – lembra José Mindlin na orelha do livro -, ela pode ter outras origens – a Igreja, a existência de classes mais fortes e mais fracas, e as injustiças da sociedade em geral”. “Se quisermos combater a censura, não será ridicularizando seus excessos, mas contestando o seu cerne”, afirma Renato Janine no prefácio da obra. (Texto escrito em 2010)


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