Favor
“A colonização produziu três setores
sociais: o latifundiário, o escravo e o “homem livre”. Entre os dois primeiros, a relação era clara. Mas a
multidão dos terceiros, nem proprietário nem proletários, dependia
materialmente do favor de um poderoso. Através desse mecanismo se reproduz um
amplo setor de homens livres; além disso, a favor se prolonga em outras áreas
de vida social e envolve os outros dois grupos na administração e na política,
no comércio e na indústria. Até as profissões liberais, como a medicina, que na
acepção europeia não deviam nada a ninguém, no Brasil eram governadas por esse
procedimento que se transforma “em nossa mediação quase universal”, escreveu o
estudioso argentino Néstor Garcia Canclini em sua obra Culturas Hibridas
(Edusp, 2013, p.76)
A institucionalização do favor já foi
antes analisada por Robert Schwarz no artigo As Ideias fora do lugar (Ao
Vencedor as Batatas, Duas Cidades, 1977). Enquanto na Europa havia autonomia da
pessoa, universalidade da lei, cultura desinteressada, remuneração objetiva e
sua ética do trabalho, o favor no Brasil pratica a dependência da pessoa, a
exceção à regra, a cultura interessada
e a remuneração de serviços pessoais. Ou seja, quando os governantes
ajudavam a classe artística através de editais, essa mesma classe ficava
subserviente a esse poderoso.
“Hoje,
a arte é uma prisão”
Para que a arte possa ter autonomia
absoluta é preciso estar inserida em movimentos sociais amplos. Os experimentos
dos projetos pessoais, soluções estilísticas, reflexões precisam articular com
a história, a cultura popular, preocupações construtivistas, utopias de massas.
“Hoje, a arte é uma prisão”, escreveu em
1976 o arquiteto e artista argentino Horacio Zabala. E ele afirma, com
Foucault, que a prisão é uma “invenção”, uma técnica de identificação e
enquadramento dos indivíduos, de seus gestos, sua atividade e sua energia. Como
a prisão, esse mundo é “um sistema fechado, isolado e separado”, uma totalidade
que limita a liberdade excluindo e negando, onde tudo sufoca, da qual não é
possível subtrair-se mediante “a própria
imaginação forçada” (Horacio Zabala, “Oggi, l'Arte è una Carcere”, em 2.Russo
(ed), Ogio l'Arte è una Carcere?, Bologn, II Mulino, 1982, pp.95-103). Frente à
impossibilidade de construir atos, para evitar cair em ritos, a arte escolhe
ser gesto.
A prisão como último laboratório. Não há
outras saídas senão a submissão ao mercado, a ironia transgressora, a busca
marginal de obras solitárias e a recriação do passado. Temos no Brasil mais
histórias da literatura que das artes visuais. Mais sobre literatura das elites
que sobre manifestações equivalentes das camadas populares.
É preciso que artistas sejam capazes de
articular movimentos e códigos culturais de diferentes procedências. Mostrar
que é preciso fundir as heranças culturais de uma sociedade, a reflexão crítica
sobre seu sentido contemporâneo e os requisitos comunicacionais da difusão
maciça.
Simulacro
de democracia
Para muitos artistas e críticos, a Bahia
vive hoje o simulacro de democratização. Se o artista precisa da ajuda do
governo, mas não compatibiliza com seus discursos, ele precisa assinar o termo
invisível da operação neutralizadora da crítica. Deve-se aceitar tudo a
contragosto. Ou melhor, degustar mesmo com sabor amargo. Assim, o discurso que
despolitiza os artistas dissolve sua adesão e, assim, a politica em moral e a
moral em arte. Fica o dito não dito, e “tudo bem” na indústria cultural.
O autoritarismo político no mercado
cultural transforma as ameaças em discurso adesivo e tudo vira um carnaval.
Nesse procedimento formal e mecanismo de distinção denominado arte interage
coma maioria sob as regras daquelas que costumavam ser os mais eficazes
comunicadores: as industrias culturais, hoje transformada em vazio.
Os artistas e escritores como Octavio
Paz e Jorge Luis Borges que mais contribuíram para a independência e
profissionalização do campo cultural fizeram, da crítica ao Estado e ao mercado
eixos de sua argumentação.
Culturas
híbridas
“As ciências sociais contribuem para
essa dificuldade com suas diferentes escalas de observação. O antropólogo chega
à cidade a pé, o sociólogo de carro e pela pista principal, o comunicólogo de
avião. Cada um registra o que pode, constrói uma visão diferente e, portanto,
parcial. Há uma quarta perspectiva, a do historiador, que não se adquire
entrando, mas saindo da cidade, partindo de seu centro antigo em direção ao
seus limites contemporâneos. Mas o centro da cidade atual já está no passado”. (Nestor
Garcia Canclini. Culturas Híbridas. São Paulo. Edusp, 6.reimp. ,p.21).
Modernização
No final do século XIX e início do XX
houve ondas de modernização impulsionadas pela oligarquia progressista, pela
alfabetização e pelos intelectuais europeizados; entre os anos 1920 e 1930,
pela expansão do capitalismo e ascensão democratizadora dos setores médios e
liberais, pela contribuição de migrantes, pela difusão em massa da escola, pela
imprensa e pelo rádio; desde os anos 1940, pela industrialização, pelo
crescimento urbano, pelo maior acesso à educação média e superior, pelas novas
industrias culturais.
Mas é na segunda metade do século XX que
as elites das ciências sociais, da arte e da literatura emitem sinais de
modernização sócio econômica. Entre os anos 1950 e 1970 estão as mudanças
estruturais: desenvolvimento econômico mais sólido e diversificado que tem sua
base no crescimento de indústrias com tecnologia avançada, consolidação e
expressão de crescimento urbano iniciado na década de 1940, ampliação do
mercado de bens culturais; industrialização de novas tecnologias
comunicacionais, especialmente a televisão.
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