2016 é o ano de Gregório de Mattos que
há 320 anos deixava de existir e passava para a História com seus poemas
altamente satíricos.
A cantora baiana Marcela Bellas lançou
no início deste 2016 nas redes sociais, o clipe de “Danadinha”, música com
letra do poeta Gregório de Matos, melodia de Helson Hart e produção de Graco
Vieira (Scambo e Bailinho de Quinta). Os versos satíricos do “Boca do Inferno”
na canção abordam questões indígenas e viraram um “pagodão com cara de Novos
Baianos”, segundo a artista, que decidiu gravar o poeta por achar que sua obra
expressa muito a identidade baiana e são ainda atuais. "Danadinha"
integrará o próximo disco da cantora, em comemoração aos seus 10 anos de carreira.
Danadinha
Há coisas como ver um paiaiá
Mui prezado de ser Caramuru
Descendente de sangue de tatu
Cujo torpe idioma é cobepá
A linha feminina é carimã
Moqueca, pititinga, caruru
Mingau de puba e vinho de caju
Pisado um pilão de pirajá
A masculina é um aricobé
Cuja filha cobé um branco paí
Dormiu no promotório de passé
O branco era um marau que veio aqui
Ela é uma Índia de Maré
Aricobé, cobé, paí
Dormiu no promotório de Passé
Cobepá, aricobé, cobé paí
É danadinha, danadinha…
Gregório de Matos e Guerra (1636/1696) nasceu,
de família abastarda, em Salvador. Em 1651 foi para Portugal estudar no Colégio
de Jesuítas, e, depois, seguiu a carreira jurídica e religiosa, um ano depois
ingressou na Universidade de Coimbra. Depois de formado, casa-se com Micaela de
Andrade e ocupa vários cargos na magistratura portuguesa. Enviúva e retorna
para o Brasil, abatido e desiludido, com 1681. Em Salvador, leva uma vida
desregrada, improvisando poemas acompanhado de viola e satirizando os
poderosos. Despido da sua identidade clerical, como já havia feito com a de
magistrado, Gregório de Mattos vai desenvolver então a sua veia poética para o
caminho da sátira, do erotismo, da pornografia, da poesia grotesca, lírica e
sacra. Ele vai encordoar a sua lira e afiar a sátira.
Casa-se com Maria dos Povos e é banido
para Angola. Mais tarde volta ao Brasil, mas, impedido de regressar a Salvador,
vai para Recife, onde morre no ano seguinte. Há muitas dúvidas tanto sobre sua
vida quanto sobre a autoria real de muitos dos poemas a ele atribuídos. Gregório
jamais publicou um poema em vida. O que existe hoje são os códices, espécies de
livrinhos manuscritos que traziam poesias atribuídas a Gregório.
Estes registros eram feitos por
admiradores que copiavam, recopiavam e guardavam os poemas de Gregório para si
ou copistas que distribuíam os versos do poeta como uma espécie de cordel ou
folheto, tendo como base a tradição oral. Por isso, a obra do baiano é chamada
de apógrafa (reprodução de um escrito original). Na época, a imprensa era
proibida na Bahia e o único meio de imprimir era enviar o trabalho para
Portugal. E quem naquela época publicara os impropérios do poeta maldito da
Bahia?
Foi o historiador Francisco Adolfo
Varnhagen, em 1850, que publicou um conjunto de 39 poemas no
Florilégio da
Poesia Brasileira, editado em Lisboa. Daí em diante Gregório de Mattos passa a
constar de várias antologias. Sua obra apógrafa publicada, em parte, por
Alfredo do Valle Cabral (1882), Afrânio Peixoto (1923/1933) e James Amado
(1968). Este último edita em sete volumes, reeditado em dois volumes em 1990
com o título de Obra Poética, contendo toda a parte erótica, pornográfica e
grotesca, até então desconhecida e que Afrânio Peixoto havia censurado. James
Amado reuniu os textos espalhados em diversos códices. O livro chegou a ser
queimado em praça pública. A sua obra sobreviveu graças à memória coletiva dos
seus admiradores baianos, que a registraram com inúmeras incorreções e
prováveis alterações. Entre eles estão os pesquisadores Fernando Peres e Silvia
la Regina.
Gregório fez poesia satírica, pela qual
recebeu o epíteto de O Boca do Inferno; poesia lírica, dedicados a musas como
Custódia, D.Ângela, Caterina e sua segunda esposa, Maria dos Povos; lírica
reflexiva, que versa sobre a vaidade, a brevidade da vida, e outros temas caros
à sensibilidade barroca; a lírica religiosa, marcada pelo sentimento de culpa
típico do período da Contra-reforma; a poesia satírica com versos compostos
contra os governantes da Bahia; e os eróticos-irônicos, as composições
fesceninas, pornográficas.
A uma freira, que satirizando a delgada
fisionomia do poeta, lhe chamou pica-flor.
Se Pica-flor me chamais,
Pica-flor aceito ser,
mas resta agora saber,
se no nome, que me dais,
meteis a flor, que guardais
no passarinho melhor!
se me dais este favor,
sendo só de mim o Pica,
e o mais vosso, claro fica,
que fico então Pica-flor.
E Gregório dizia: “O Amor é
finalmente/um embaraço de pernas,/uma união de barrigas,/um breve tremor de
artérias./Uma confusão de bocas/uma batalha de veias/um reboliço de ancas,/quem
diz outra coisa, é besta”.
Em um de seus poemas, escreveu: “Ilha de
Itaparica, alvas areias/Alegres praias, frescas, deleitosas;/Ricos polvos,
lagostas deliciosas,/Farta de putas, rica de baleias”. Sua irreverência tinha
como característica a não segregação. Atinge tanto ricos, como brancos, colonos
ou mulatos, chegando ao erotismo e à pornografia. Há, porém, uma mistura de
poesia grotesca e sacra. Embora a violência da poesia satírica tenha sido a
mais conhecida, Gregório de Mattos era igualmente hábil ao construir sonetos
religiosos, amorosos ou encomiásticos.
Para o professor da Universidade do
Porto, Francisco Topa, não há nessa versatilidade incrogruência alguma. Isso
porque, assim como a obra de Quevedo (mestre de Gregório) e de outros
representantes da obra barroca, a antítese é um dos signos mais fortes. “O Boca
do Inferno possui uma voz própria, que sabe se exprimir em registros e formas
variadas, que domina os motivos e o estilo da poesia da época sem cair no
lugar-comum ou na repetição, e que nos dá um testemunho importante dos tempos e
dos lugares em que viveu”, analisa na obra “O Mapa do Labirinto”. O pesquisador
português descobriu 107 poemas inéditos e verificou que dos 291 poemas
atribuídos a Mattos, 218 são efetivamente seus, 14 são provavelmente seus – mas
oferecem algumas dúvidas – e 59 são de outros autores. O balanço final da
produção de Gregório de Mattos é um total de 959 poemas de 23 categorias
formais.
Para encerrar, o poeta leva o nome de
uma organização governamental em Salvador (Fundação Gregório de Mattos), um
teatro situado na Praça Castro Alves e é nome de rua na Fazenda Coutos.
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