Pintor, escultor, desenhista,
cineasta – numa palavra, multidisciplinar – Chico Liberato completa 80 anos em
2016. Um documentário está sendo realizado para homenageá-lo com direção de
Ingra e João Riso Liberato e produção de Cândida-Luz.
Ele é pioneiro do desenho animado
na Bahia. O artista plástico baiano Chico Liberato sempre foi um apaixonado
pelo cinema de animação. Ao se enveredar pelo sertão de Monte Santo, terra
mística de beatos e rezadeiras, ele produziu o primeiro longa-metragem animado
do Nordeste: Boi Aruá, com trilha sonora do maestro Ernest Widmer e do cantor
Elomar. O filme lançado em 1983, sensação da Jornada de Cinema da Bahia,
projetou Chico Liberato, conquistou Menção Honrosa no Fest Rio daquele ano e prêmios no Festival da
Juventude em Moscou e da Unesco (por estimular a juventude para a cultura
sertaneja).
VAQUEIRO - O filme já divertiu
plateias, sobretudo crianças e adolescentes do Brasil e da Europa, com a
história do vaqueiro cuja obsessão é apanhar o boi misterioso, o touro
mandigueiro dos relatos de cordel. Plasticidade, dramaticidade, riso e emoção
acompanham o frenético galopar do fazendeiro que parte no encalço da fera, na
verdade uma introjeção de seus próprios fantasmas. Boi Aruá é também a história
de uma busca que só termina quando o homem domina uma fera, que se revela um
manso cordeiro, mas que serve de catarse para que o brutamontes que a perseguia
recupere a paz – metáfora telúrica – o campo, antes calcinado pela seca, volta
a florir.
Com o longa-metragem, que
demonstra o amor do autor pelas coisas do campo (o mandacaru, os bichos e a
gente do sertão), Chico Liberato fez o que se poderia chamar de “poética das
vidas secas”, para usar a imagem da família de retirantes imortalizada pelo escritor
Graciliano Ramos. O cotidiano de luta e a alegria dos catingueiros perpassa
todo o filme: o ferrar do gado, a reza das beatas, as brincadeiras dos garotos
do sertão, a feira, o trabalho no eito, a casa de farinha, nada disso escapou
aos olhos sensíveis do artista. A toada sertaneja de Elomar soa como um
contraponto do desafio de caçar e aprisionar o boi encantado do cordel.
INDÍGENA - Na adolescência,
Liberato foi morar em uma comunidade indígena no sul da Bahia. Após cinco anos,
agregando conhecimento e valores culturais a sua vida e arte, ele retorna com
bagagem suficiente para dar continuidade a sua empreitada. Inspirado na cultura
popular, ele evidencia em seu trabalho símbolos de caráter folclórico,
utilizando materiais naturais como madeira, folhas e sementes de açaí. O
sertão, o sertanejo, a arte popular regional e as figuras místicas presentes no
candomblé, são temas sempre presentes em suas produções, identificando e
caracterizando seu trabalho
Boi Aruá não é o único filme de
animação de Liberato. Sua animada filmografia inclui também curtas como Ementário,
Antistrof (1972) interpretação gráfica da obra musical do argentino Rufo
Herrera; O que os Olhos Vêem (1973), Prêmios Instituto Nacional de Cinema (INC),
Caipora (1974) e Pedro Piedra (1975), Prêmio Alexandre Robatto Filho, também do
INC. Em seguida realiza os desenhos Eram-se Opostos, sobre a permanente luta
entre as dualidades - com raízes nordestinas sobre o percurso dos personagens
"Um" e "Outro". (1977) e Muçagambira (1982). Representante
da geração 60, nas artes plásticas da Bahia, Chico Liberato agitou o cenário
das artes plásticas no estado dos anos 70 para cá e foi responsável pelo
surgimento de novos talentos. Como diretor do Museu de Arte Moderna da Bahia
(MAM-BA), fundou as oficinas de artes plásticas e deu chances a muitas vocações
sufocadas e desconhecidas, com a exposição Cadastro.
UNIVERSO - Liberato acredita que
o homem tem de criar seu universo e seu próprio acervo e desfrutar dele. Se as
pessoas não buscam na arte uma fonte de alimento para abastecer-se de energia e
bons fluidos, elas se perdem em curto circuitos, por incidentes banais no
trânsito ou por qualquer motivo, e desenvolvem uma preocupação e raiva que as
impedem de sentir prazer em viver.
Na música, na pintura ou na poesia, por exemplo, o homem pode
encontrar a tranqüilidade que precisa para enfrentar com mais sabedoria os seus
problemas.
A ancestralidade e a ecologia são
temas presentes na arte de Liberato que procura, na técnica, alcançar o domínio
do índio na utilização de elementos primitivos em seus trabalhos, fazendo o
caminho inverso do academicismo e aproximando-se mais e mais da natureza,
usando madeira, iniciando-se nos traçados de cipós, e abusando das cores
fortes.
O crítico Frederico Morais
comentando sua mostra, em 2005, comemorativa dos 40 anos de vida profissional
dedicados a arte e a cultura afirmou: “Ouso afirmar que a pintura atual de
Francisco Liberato tem o caráter de uma obra-manifesto. Sem abrir mão de uma
linguagem internacional e perfeitamente contemporânea, ela reflete questões
geopolíticas. Mas não se trata mais de denúncia social e menos ainda do
panfleto político – mas de crítica cultural. É um manifesto em defesa de uma
cultura brasileira em sua relação dinâmica com a cultura local, afro-baiana e
latino-americana. Em seus quadros, Liberato recria continuamente os signos
`antropomórficos, arquetípicos e iconográficos´ da cultura brasileira em sua
dimensão étnica e universal, mas sem abrir mão de sua imaginação criadora e
intelectual e, naturalmente, de sua subjetividade e espiritualidade”.
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