Quando os portugueses aqui
chegaram, cheios de sarnas, desdentados e podres de não tomar banhos, ficaram
maravilhados com todo aquele cenário da natureza. Eles vinham das terras sem
males, das terras frias e encontraram um povo bonito e disponível, sexualmente
disponível, sem pecado também abaixo do Equador. Pois bem, a epidemia falou
mais alto e a mistura de raças aconteceu de bom e mau grado. Naquela época não
havia essa coisa de pecado, de proibição aqui em nossas bandas. Quase tudo era
permitido. Mas os raivosos jesuítas chegaram e resolveram não só escrever uma
gramática tupi como impuseram aquela idéia da ressurreição de Cristo, morte e
ressurreição. A idéia, tempos mais tarde (e bote tarde nisso) era vender todo tipo
de produto religioso a cada esquina ou ruela da cidade.
Em seguida Tomé de Souza começou
a construção de Salvador e nos séculos seguintes transformou Salvador num
grande púlpito de igreja. É igreja por tudo quando é lado e um terror violento
de pecado. Até o virulento Gregório de Mattos, o Boca do Inferno cantou “Triste
Bahia, oh, quão dessemelhante.../estás e estou do nosso antigo estado/pobre te
vejo a ti, tu a mim empenhado/rico te vejo eu, já tu a mim abundante/Triste
Bahia, oh, quão dessemelhante/a ti tocou-te a máquina mercante/que em tua larga
barra tem entrado/a mim já foi-me trocando e tem trocado/tanto negócio e tanto
negociante”. Era assim que o mordaz Gregório via a localidade:
dessemelhante, diferente, desigual, injusta nas oportunidades que oferece aos
seus filhos. Mudou alguma coisa de lá pra cá?
O nosso quotidiano oferece tantas
sugestões eróticas, como nossa mania de falar tocando nas pessoas (e haja
toque), o riso fácil (há há há), as roupas sumárias (graças ao verão o ano
inteiro como professa a propaganda), nossa despreocupada habilidade de pontuar
as frases com palavrões.... O estrangeiro vem triste, buscando algo perdido e,
aí no caso, o que está perdido é a sua sexualidade espontânea. Em luto, tem que
rir do efeito cômico do gesto obsceno e esquece sua dor. Ensinamos ao
estrangeiro triste a nossa técnica de apaziguamento da dor. Terminamos por
acreditar que não temos dor, nós mesmo e, como bons fingidores, fazemos o nosso
ouvido acreditar que nós não sofremos repressão e que estamos acima do bem e do
mal (haja melhoral).
A cor vermelha no início da
descoberta de nossas terras vinha da tinta extraída do pau-brasil. E vermelho é
o sangue que derramou dos índios em defesa de suas terras. Embora o católico e
o protestante são religiões hoje
tranqüilas e pacíficas, nelas existiu o espírito da intolerância, do fanatismo
e do assassinato. E se hoje podemos ser levados a crer que o fanatismo é
próprio de uma religião particular, o islamismo, na verdade ele aparece em
todas as fés monoteístas.
Quando Salvador foi fundada em
1549 a idéia principal do projeto português era torná-la não apenas uma cidade
fortaleza, mas o mais importante símbolo do império português nas Américas. Por
conta da sua história sociopolítica, a Bahia se transformou num território
multifacetado.
A combinação de lentidão,
tranquilidade e a sensação de acolhimento e segurança provocada pela natureza
local foi um dos principais motivos da escolha deste sítio como sede da capital
colonial. Assim Salvador passou a ser porta de passagem, local de troca, de
efetivação de contatos e relações, ponto para onde convergia boa parte da
produção regional, que daí escoava para outras cidades, estados e países.
E as formas de saudar o sagrado
(seja com palavras, ações ou uso de objetos) seja nos rituais católicos ou
religiosidade de origem africano, as duas tradições aparecem convivendo ou
justapostas. O sincretismo é a grande marca de religiosidade local. A mistura
foi um resultado natural da convivência entre duas tradições ricas (a ibérica,
católica e a africana com a religião dos orixás nagós). Para muitos o
sincretismo foi um recurso que os negros encontraram para salvaguardar suas
tradições. A beleza da cidade, do imenso mar azul, das igrejas e sobrados
reduziram o estrangeiro. O povo com seus costumes e festas foi outro fator
decisivo para eles se estabeleceram aqui. “O tesouro perdido foi encontrado” e
“se o mundo é dos que sonham, toda lenda é pura verdade”.
Os hábitos alimentares
afro-baianos, o modo de celebrar, a habilidade para a dança e a festa como
construtora de identidade, conquistando uma participação expressiva seduziu a
todos. Se a motivação é fundamentalmente religiosa pouco importa, basta seguir o cortejo de
Santa Bárbara, atravessar a de Nossa Senhora da Conceição da Praia, Boa Viagem,
Bom Jesus dos Navegantes, Lapinha, Bonfim, Ribeira, Rio Vermelho, Itapuã,
Pituba até cair no som contagiante do trio elétrico ou no afoxé do Carnaval. É
Festa que não acaba mais.
E essa aglomeração de turistas e
baianos gera economia para o estado e a roda roda nas mais diversas formas de
lucrar com a festa, seja sofisticando os serviços ou mesmo nas atrações
musicais. Haja celebração. E é nessa festa carnavalesca que o mundo inverte em
direção à alegria, à liberdade, à abundância e à igualdade de todos perante a
sociedade. Pura ilusão, quando passa, tudo volta ao que era antes no quartel de
Abrantes. A festança é uma catarse da sociedade.
E as práticas lúdicas continuam a
movimentar a população numa esquina e ruelas da cidade, seja Pelourinho
(Olodum), Candeal (Timbalada) ou Curuzu (Ilê Aiyê). O bom humor, disposição
para celebrar com entusiasmo a vida, é uma forma de pensar e encarar os
problemas da vida, o jeito baiano de ser. Mas falta ainda a este povo (faixa
pobre que é formada pela maior parte da população) acesso à educação, ao
mercado formal de trabalho, a condições mínimas de moradia e assistência em
saúde. Talvez o maior ensinamento dos baianos é encarar a vida, na capacidade
de não ter pressa, de não se aborrecer à toa e de conseguir ser alegre apesar
de pobreza.
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Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor
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