Uma preocupação kitsch levou
intelectuais do mundo inteiro a colecionarem apaixonadamente histórias em
quadrinhos antigas, velhos cartazes de 1900, notícias estranhas de jornais,
revistas que tiveram vida curta ou livros considerados de mau gosto. Essa
preocupação encontrou correspondente na pop art, uma reunião de elementos do
ambiente, das latas de conserva, dos lugares-comuns dos quadrinhos, do cinema e
da foto. Tudo criticando e parodiando a sociedade moderna.
Em geral, os objetos kitsch são
pintados com cores complementares puras, passando do vermelho ao rosa, azul bem
forte; ainda, são, na maioria, feitos para imitar algo original e natural como
o mármore, zinco, cobre, ouro, prata etc. O crítico italiano Umberto Eco, em
seu livro Apocalípticos e Integrados, diz que “o kitsch não nasce em
consequência da elevação da cultura de elite sobre níveis sempre mais
impenetráveis. O processo é totalmente inverso”. Assim, a indústria de cultura
de consumo, ao difundir-se, entra em choque com a arte produzida pela elite. Os
romances populares satisfazem as exigências de evasão e de pretensa elevação do
nível cultural do público. A fotografia absorve as funções mais imediatamente
práticas da pintura. Nascem, então, uma nova literatura der elite e uma nova
pintura.
CONCESSÕES –Uma obra kitsch faz
todas as concessões sempre diluindo os estilos para conseguir uma média entre
os gostos e dar para o consumidor/espectador exatamente o que ele queria: apelo
melodramático, erotismo fácil, cadeia para bandidos, final feliz. No último
capítulo de “n” novelas, a moça rica de família perversa casa mesmo com o seu
pobretão encantado – as novelas mexicanas do SBT podem comprovar; o amor
impossível da fotonovela termina com aquele beijão manjado na base de olhos
fechados; o bichinho perdido volta afinal para casa, e isso até nas versões
mais científicas.
Também na música, o kitsch anda
rondando o romantismo incorrigível, os corações partidos, as rimas de amor com
flor, com dor... e, é claro, os arqueológicos tamancos de Carmem Miranda, os
macacões (de vestir) do galã Ângelo Máximo, o guarda roupa supersexy da cantora
Gretchen, o estilo picante das musiquinhas de duplo sentido, o cabelão de
Perla, onde a coisa já se confunde com a cafonice, que é uma espécie de kitsch
mais autêntico, menos produzido.
FENÔMENO – O kitsch não é apenas
um fenômeno cultural, é também, ao mesmo tempo, um fenômeno na área do consumo.
Quase sempre, volta-se para um mercado que está ali à espera, aberto e
receptivo. Para o crítico Décio Pignatari, “mais do que típico, o kitsch é um
fenômeno protótipo do consumo”. A maioria dos monumentos público (um bom
exemplo é a homenagem póstuma a Clériston Andrade em forma de “C” na Avenida Garibaldi), os santos e santinhos
das igrejas do século passado (e deste) podem ser enquadrados como kitsch. Por
analogia, o rótulo se estendeu a outras faixas: literatura, música,
arquitetura, teatro, dança, desenho industrial, imprensa, rádio, cinema e
televisão.
A literatura kitsch atingiu seu
apogeu por volta de 1900. Arte de classe média fala de nobres heróis, loiras
que desmaiam. Noivas virgens, mães abnegadas, velhos barbudos. A heroína,
namorada de um príncipe ou de um tenente, mora numa casinha branca sob perfumados
pinheiros, à beira d mar. Uma literatura que se estrutura em estereótipos e que
visa à classe que vive num insípido conforto. Na música, temos alguns exemplos
de kitsch musical: música exótica (La Paloma), romântica (Olhos Negros),
erótica (vozes açucaradas e canções de duplo sentido); Kitsch-kitsch: adaptação
de um tema de Mozart para uma orquestra de swing. No cinema, filmes como Os Dez
Mandamentos, de Cecil B.De Mille (1965), e Atlântica, de Jean Vigo (1930)
representam bem o kitsch. Na imprensa, o kitsch aparece diariamente com as
notícias do tipo “noivinha rifou sua virgindade” ou “saiu do túmulo para
devolver a saia emprestada”.
FORMA – É importante salientar a
trapaça do kitsch está sempre na forma, nunca no conteúdo. As formas clássicas,
românticas, impressionistas e até modernistas são hoje aceitas como
indiscutivelmente belas e verdadeiras, mas o kitsch utiliza apenas essas
experiências. Não aprofunda nenhuma experiência estética; se atém às formas
consagradas. Por isso é o maior inimigo da vanguarda.
Os artistas kitsch são muito
populares, até porque é disso que sobrevivem; são uma fantasia explícita, entre
eles e o público há um apelo escancarado, identificação direta. Cauby Peixoto é
desses românticos incorrigíveis, canta sempre do mesmo jeito, delirante,
piscando o seu olhar distante e desesperado, faz gestos incríveis e adora
sapato bicolor. Elke Maravilha diz que assumiu o kitsch. Que todos somos. E
aponta exemplos interessantes: diz que o verde e amarelo – “tanto quanto o
verde e rosa” – é uma combinação muito kitsch; Cauby e Ângela Mária são kitsch
e são divinos. Cita ainda Perla, Hebe Camargo, Tarcísio Meira, Elvis Presley,
Corinthians e cuba libre. Outro kitsch inconfundível: o cineasta José Mojica
Marins, que se confunde com o seu mais famoso personagem – o agente funerário
Zé do Caixão.
A contragosto dos amantes da alta
cultura, não houve palavra irônica ou negativa o suficiente para sufocar o
kitsch. Ele cresceu e se espalhou por todos os lados. Está nas roupas, nos
cinemas, na literatura, na música, na decoração e arquitetura. Lady Gaga é a
diva kitsch atual. Gaby Amarantes, a Beyoncé do Pará, superou barreiras do
cafona e virou cult. As cores chamativas ditam as personagens do cineasta Pedro
Almodovar. O movimento Tropicália brincou com a cultura de massa. E Andy Warhol
transformou a alta cultura em artigo de consumo, tirou a Monalisa do lugar e
deu um nome novo ao kitsch: pop art.
Desta forma o kitsch democratiza.
Se a informação é muito difícil, ele simplifica. Se é cara, barateia. Se só
existe uma peça de alguma coisa, ele replica ao infinito e permite maior
acesso. O kitsch resolve também frustrações. Se você deseja ter a Monalisa,
tira uma cópia e prega na parede. Se gosta de roupas dos anos 80 é só comprar
tecidos e fazer outros e repetir os modelos. Assim, o kitsch é sempre
alternativa. Planta de plástico substitui a de verdade. Estampa de onça resolve
a vontade de usar pele.
O que é brega hoje pode virar
chique amanhã. Como afirmou o estudioso Abraham Moles, “há algo de kitsch no
fundo de cada um de nós”.
Canções da música popular que ouço o tempo todo (Vol.16)
A palo seco, Fagner (Ave Noturna)
Meu bem querer, Djavan (Alumbramento)
Banquete dos signos, Zé Ramalho (Força Verde)
Filho da folha, de Déa Trancoso (Tum, Tum, Tum)
Mixturação, Carlinhos Brown (Mixturada Brasileira Vol 01)
Relicario, Cassia Eller (Acústico)
Morenna, Batala (Xiree)
Melodia sentimental, Olivia Byington (Melodia sentimental)
A força que nunca seca, Chico César (Mama Mundi)
Desenho de Deus, Armandinho (Armandinho ao Vivo)
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nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Brotas),
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