07 maio 2013

Kitsch: o eterno sucesso da imitação artística (2)



Uma preocupação kitsch levou intelectuais do mundo inteiro a colecionarem apaixonadamente histórias em quadrinhos antigas, velhos cartazes de 1900, notícias estranhas de jornais, revistas que tiveram vida curta ou livros considerados de mau gosto. Essa preocupação encontrou correspondente na pop art, uma reunião de elementos do ambiente, das latas de conserva, dos lugares-comuns dos quadrinhos, do cinema e da foto. Tudo criticando e parodiando a sociedade moderna.

Em geral, os objetos kitsch são pintados com cores complementares puras, passando do vermelho ao rosa, azul bem forte; ainda, são, na maioria, feitos para imitar algo original e natural como o mármore, zinco, cobre, ouro, prata etc. O crítico italiano Umberto Eco, em seu livro Apocalípticos e Integrados, diz que “o kitsch não nasce em consequência da elevação da cultura de elite sobre níveis sempre mais impenetráveis. O processo é totalmente inverso”. Assim, a indústria de cultura de consumo, ao difundir-se, entra em choque com a arte produzida pela elite. Os romances populares satisfazem as exigências de evasão e de pretensa elevação do nível cultural do público. A fotografia absorve as funções mais imediatamente práticas da pintura. Nascem, então, uma nova literatura der elite e uma nova pintura.

CONCESSÕES –Uma obra kitsch faz todas as concessões sempre diluindo os estilos para conseguir uma média entre os gostos e dar para o consumidor/espectador exatamente o que ele queria: apelo melodramático, erotismo fácil, cadeia para bandidos, final feliz. No último capítulo de “n” novelas, a moça rica de família perversa casa mesmo com o seu pobretão encantado – as novelas mexicanas do SBT podem comprovar; o amor impossível da fotonovela termina com aquele beijão manjado na base de olhos fechados; o bichinho perdido volta afinal para casa, e isso até nas versões mais científicas.

Também na música, o kitsch anda rondando o romantismo incorrigível, os corações partidos, as rimas de amor com flor, com dor... e, é claro, os arqueológicos tamancos de Carmem Miranda, os macacões (de vestir) do galã Ângelo Máximo, o guarda roupa supersexy da cantora Gretchen, o estilo picante das musiquinhas de duplo sentido, o cabelão de Perla, onde a coisa já se confunde com a cafonice, que é uma espécie de kitsch mais autêntico, menos produzido.

FENÔMENO – O kitsch não é apenas um fenômeno cultural, é também, ao mesmo tempo, um fenômeno na área do consumo. Quase sempre, volta-se para um mercado que está ali à espera, aberto e receptivo. Para o crítico Décio Pignatari, “mais do que típico, o kitsch é um fenômeno protótipo do consumo”. A maioria dos monumentos público (um bom exemplo é a homenagem póstuma a Clériston Andrade em forma de “C”  na Avenida Garibaldi), os santos e santinhos das igrejas do século passado (e deste) podem ser enquadrados como kitsch. Por analogia, o rótulo se estendeu a outras faixas: literatura, música, arquitetura, teatro, dança, desenho industrial, imprensa, rádio, cinema e televisão.

A literatura kitsch atingiu seu apogeu por volta de 1900. Arte de classe média fala de nobres heróis, loiras que desmaiam. Noivas virgens, mães abnegadas, velhos barbudos. A heroína, namorada de um príncipe ou de um tenente, mora numa casinha branca sob perfumados pinheiros, à beira d mar. Uma literatura que se estrutura em estereótipos e que visa à classe que vive num insípido conforto. Na música, temos alguns exemplos de kitsch musical: música exótica (La Paloma), romântica (Olhos Negros), erótica (vozes açucaradas e canções de duplo sentido); Kitsch-kitsch: adaptação de um tema de Mozart para uma orquestra de swing. No cinema, filmes como Os Dez Mandamentos, de Cecil B.De Mille (1965), e Atlântica, de Jean Vigo (1930) representam bem o kitsch. Na imprensa, o kitsch aparece diariamente com as notícias do tipo “noivinha rifou sua virgindade” ou “saiu do túmulo para devolver a saia emprestada”.

FORMA – É importante salientar a trapaça do kitsch está sempre na forma, nunca no conteúdo. As formas clássicas, românticas, impressionistas e até modernistas são hoje aceitas como indiscutivelmente belas e verdadeiras, mas o kitsch utiliza apenas essas experiências. Não aprofunda nenhuma experiência estética; se atém às formas consagradas. Por isso é o maior inimigo da vanguarda.

Os artistas kitsch são muito populares, até porque é disso que sobrevivem; são uma fantasia explícita, entre eles e o público há um apelo escancarado, identificação direta. Cauby Peixoto é desses românticos incorrigíveis, canta sempre do mesmo jeito, delirante, piscando o seu olhar distante e desesperado, faz gestos incríveis e adora sapato bicolor. Elke Maravilha diz que assumiu o kitsch. Que todos somos. E aponta exemplos interessantes: diz que o verde e amarelo – “tanto quanto o verde e rosa” – é uma combinação muito kitsch; Cauby e Ângela Mária são kitsch e são divinos. Cita ainda Perla, Hebe Camargo, Tarcísio Meira, Elvis Presley, Corinthians e cuba libre. Outro kitsch inconfundível: o cineasta José Mojica Marins, que se confunde com o seu mais famoso personagem – o agente funerário Zé do Caixão.

A contragosto dos amantes da alta cultura, não houve palavra irônica ou negativa o suficiente para sufocar o kitsch. Ele cresceu e se espalhou por todos os lados. Está nas roupas, nos cinemas, na literatura, na música, na decoração e arquitetura. Lady Gaga é a diva kitsch atual. Gaby Amarantes, a Beyoncé do Pará, superou barreiras do cafona e virou cult. As cores chamativas ditam as personagens do cineasta Pedro Almodovar. O movimento Tropicália brincou com a cultura de massa. E Andy Warhol transformou a alta cultura em artigo de consumo, tirou a Monalisa do lugar e deu um nome novo ao kitsch: pop art.

Desta forma o kitsch democratiza. Se a informação é muito difícil, ele simplifica. Se é cara, barateia. Se só existe uma peça de alguma coisa, ele replica ao infinito e permite maior acesso. O kitsch resolve também frustrações. Se você deseja ter a Monalisa, tira uma cópia e prega na parede. Se gosta de roupas dos anos 80 é só comprar tecidos e fazer outros e repetir os modelos. Assim, o kitsch é sempre alternativa. Planta de plástico substitui a de verdade. Estampa de onça resolve a vontade de usar pele.

O que é brega hoje pode virar chique amanhã. Como afirmou o estudioso Abraham Moles, “há algo de kitsch no fundo de cada um de nós”.
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Canções da música popular que ouço o tempo todo (Vol.16)

A palo seco, Fagner (Ave Noturna)
Meu bem querer, Djavan (Alumbramento)
Banquete dos signos, Zé Ramalho (Força Verde)
Filho da folha, de Déa Trancoso (Tum, Tum, Tum)
Mixturação, Carlinhos Brown (Mixturada Brasileira Vol 01)
Relicario, Cassia Eller (Acústico)
Morenna, Batala (Xiree)
Melodia sentimental, Olivia Byington (Melodia sentimental)
A força que nunca seca, Chico César (Mama Mundi)
Desenho de Deus, Armandinho (Armandinho ao Vivo)
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