Já em meados do século 19, “maison de tolérance” era a casa ou zona de prostituição. Muitos toleravam esses locais procurando evitar, assim, a disseminação desses costumes em toda toda a sociedade. A partir daí a tolerância estendeu-se ao livre pensamento e, no século 20 passou a ser acordo internacional com intenção de ser exercida, através da Carta aos Direitos Humanos em 1948, também através de algumas ongs e de governos não totalitários.
Na medicina, a palavra tolerância é utilizada para significar a aptidão do organismo para suportar a ação de um medicamento, um agente químico ou físico. Assim, as diferentes espécies toleram de diferentes modos os microorganismos – alguns adoecem e morrem, outros nada ocorre. O nível de tolerância à radiação tem tal limite. A tolerância é o limite do desvio admitido dentro das características exatas de um objeto fabricado ou de um produto e as características previstas. Não são todos que suportam os medicamentos. Cada caso é um caso.
Num processo de tentativa e erro, as pessoas buscam soluções para viver consigo e com as demais. Tolerar é assim aceitar os limites, ser paciente. A paciência é justamente aceitar o desagradável, com bom humor. Muitas vezes tendemos a ser complacentes com os desvios de nossa conduta e implacáveis com os outros – não lhes damos o tempo necessário para mudar. A verdade é que somos limitados, e isto se manifesta no modo tosco que nos relacionamos com as pessoas. A distância que existe entre as pessoas, em parte é criada por cada um. Percebemos muitas vezes que com alguns, já num primeiro momento se consegue chegar perto, falar sem gritar ou mandar mensageiros, mas nem sempre é assim. É preciso usar a inteligência para encontrar o caminho da comunicação entre as pessoas.
Nossas limitações são patentes. Não somos o que queremos, não fazemos tudo que sonhamos, não temos o dom de estar onde desejamos. É dentro desses limites que nos movemos. Conhecer os limites pessoais e os outros é uma tarefa que dura toda a vida. A tolerância é uma das tantas virtudes necessárias para elevar o ser humano à condição de civilidade. S.P. Rouanet a vê “como passagem para um estágio mais civilizado e menos mecânico de convívio das diferenças”. A tolerância deve ser um ato constante de prevenção e educação. Dessa forma é uma espécie de prevenção contra o dogmatismo, para que este não vire fanatismo (na dimensão pessoal), fundamentalismo (na dimensão religiosa) e totalitarismo (na dimensão de Estado ou de Governo).
Para muitos pensadores, a tolerância é uma virtude necessária para o exercício das coisas pequenas do cotidiano, um exercício necessário para se conquistar a sabedoria. A pessoa que se pretende possuir “a verdade”, ou melhor, “a certeza”, termina sendo intolerante em aceitar outros posicionamentos, se fechando a escuta de tudo que apresente diferente ou incompreensível ao seu esquema conceitual de fala e ação. Um exemplo é o moralista, in-tolerante com os que possuem valores diferentes do seu. Sabemos se tratar de um moralista quanto sofremos a imposição de seus valores, baseado em sua “certeza moral”. Ele, o moralista, carrega a ambição de impor a todos, universalizando seus valores como certos.
A tolerância deve ter limites? Para o escritor José Saramago, “a tolerância para no limiar do crime. Não se pode ser tolerante com o criminoso. Educa-se ou pune-se”. Nesse sentido, não se pode ser tolerante com a tortura, o estupro, a pedofilia, a escravidão, o narcotráfico, o terrorismo, a guerra. Já o filósofo Vladimir Jankélévich diz que “a tolerância não vale, pois, em certos limites, que são os de sua própria salvaguarda e da preservação de suas condições de possibilidade”. O filósofo Karl Popper questiona: “Se formos de uma tolerância absoluta, mesmo para com os intolerantes, e se não defendermos a sociedade tolerante contra seus assaltos, os tolerantes serão aniquilados, e com eles a tolerância”. Fica aí a pergunta para você leitor pensar: “Uma democracia deve ou não impor limites de tolerância tendo em vista a ânsia dos intolerantes pelo poder?.
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