Cortar
pode ser uma arte, seja na alimentação, na moda, no cinema, no
esporte, música, teatro, na vida. O segredo de um bom churrasco por
exemplo é a carne de primeira, de boa procedência e a forma do
corte correto. Existem profissionais especializados em belas cortadas
no vôlei. Para muitos o corte de cabelo na lua cheia crescente é
uma prática simples e eficaz. Na moda o terno bem cortado, sob
medida, é mais eficiente. Entre o corte e a costura existe toda uma
técnica e habilidade que realça as qualidades da pessoa. No homem
pode corrigir defeitos e na mulher, acentuar as formas.
Através
de um estudo sobre o corte pode-se saber a prova do crime, a arma que
provocou a morte. Um corte nas relações afetivas pode-se causar
perdas e danos. O rompimento, às vezes, é a única solução. Todo
tratamento psicanalítico pode sofrer um corte. No trânsito o corte
significa ultrapassagem incorreta. Um bom planejamento estratégico
faz previsão e orçamento, e para fazer um corte no orçamento e
evitar surpresas desagradáveis, é necessário saber onde pode
cortar.
No cinema
muitas vezes a história é cortada ou contida graças ao corte. O
diretor grego Costa Gavras comparece com seu mais recente título, O
Corte. Fala de desemprego nos países ricos e desenvolvidos em tempos
de globalização. Engenheiro sofre o “corte de pessoal” e dois
anos depois, ainda desempregado, resolve eliminar seus concorrentes
nas disputas por vagas no mercado: “por que não matar os
potenciais concorrentes à mesma função?”. Filme contundente
deste sistema neo-liberal.
Na
música, “San Vicente”, Milton Nascimento e Fernando Brant,
acordam de um sonho estranho: “Coração americano/acordei de um
sonho estranho/um gosto vidro e corte/um sabor de chocolate/no corpo
e na cidade/um sabor de vida e morte/coração americano/um sabor de
vidro e corte//A espera da fila imensa/e o corpo negro se
esqueceu/estava em San Vicente/a cidade e suas luzes/estava em San
Vicente/as mulheres e os homens/coração americano/um sabor de vidro
e corte//As horas não se contavam/e o que era negro
anoiteceu/enquanto se esperava/eu estava em San Vicente/enquanto
acontecia/eu estava em San Vicente/coração americano/um sabor de
vidro e corte”.
“Você
corta um verso, eu escrevo outro/você me prende vivo, eu escapo
morto/de repente, olha eu de novo/perturbando a paz, exigindo o
troco/vamos por aí, eu e meu cachorro/olha o verso, olha o
outro/olha o velho, olha o moço chegando/que medo você tem de
nós/olha aí”, é o “Pesadelo”, de Paulo César Pinheiro e
Maurício Tapajós.
“Em
caso de dor ponha gelo/mude o corte de cabelo/mude o modelo/vá ao
cinema, dê um sorriso/ainda que amarelo/esqueça seu cotovelo//Se
amargo foi já ter sido/troque já esse vestido/troque o padrão do
tecido/saia do sério, deixe os critérios/siga todos os
sentidos/faça fazer sentido//A cada mil lágrimas sai um milagre//Em
caso de tristeza vire a mesa/coma só a sobremesa/coma somente a
cereja/jogue para cima, faça cena/cante as rimas de um poema/sofra
apenas, viva apenas/sendo só fissura ou loucura/quem sabe casando
cura//Ninguém sabe o que procura//Faça uma novena, reze um
terço/caia fora do contexto/invente seu endereço//A cada mil
lágrimas sai um milagre//Mas se apesar de banal/chorar for
inevitável/sinta o gosto do sal do sal do sal/sinta o gosto do
sal/gota a gota, uma a uma/duas três dez cem mil lágrimas - sinta o
milagre//A cada mil lágrimas sai um milagre” é a letra
“Milágrimas” de Itamar Assunção e Alice Ruiz.
Já
Cazuza cantou que “O Nosso Amor a Gente Inventa”: “O teu amor é
uma mentira/que a minha vaidade quer/e o meu, poesia de cego/você
não pode ver//Não pode ver que no meu mundo/um troço qualquer
morreu/num corte lento e profundo/entre você e eu//O nosso amor a
gente inventa/pra se distrair/e quando acaba, a gente pensa/que ele
nunca existiu//O nosso amor a gente inventa, inventa/o nosso amor a
gente inventa, inventa//Te ver não é mais tão bacana/quanto a
semana passada/você nem arrumou a cama/parece que fugiu de casa//Mas
ficou tudo fora do lugar//
café sem
açúcar, dança sem par/você podia ao menos me contar/uma história
romântica//O nosso amor a gente inventa/pra se distrair/e quando
acaba, a gente pensa/que ele nunca existiu”
No
teatro, o dramaturgo Plínio Marcos fez um retrato naturalista do
submundo brasileiro na peça “Navalha na Carne”. A violência das
relações humanas, a situação opressora e a luta de cada
personagem constroem um quadro cuja dramaticidade sobrevive ao tempo.
Saindo do teatro e partindo para dança vamos observar uma dança
lasciva que escandalizou a alta sociedade do início do século XX
foi o corta jaca. Trata-se de uma dança rural que tem como
característica os movimentos dos pés sempre muito juntos e a não
flexão dos joelhos. Os movimentos de pés dão a impressão de uma
faca cortando uma jaca.
Para
encerrar, o corte nas artes plásticas. As obras de Amílcar de
Castro (1920/2002) eram formadas por uma chapa de metal cortada ao
meio e torcida em dois planos, para cima e para baixo,
dialeticamente. Era um novo dinamismo de espaço. Nos anos 60 ele
ampliou o alcance obtido pela orientação dos cortes e dobras.
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