Essas carrancas constituem a mais importante manifestação coletiva da arte popular brasileira. São assuntos de extrema importância na história da cultura brasileira. Guarany sempre trabalhou sozinho, como marceneiro e carpinteiro. Por ser esse serviço escasso em Santa Maria, Guarany fazia de tudo: barris para transporte de água, dornas para guardar cachaça, móveis, madeiramento para telhados, etc. Ficou famoso pela produção de carrancas.
TRABALHO - Carranca é uma escultura de madeira que foi muito usada na proa das embarcações que navegavam no Rio São Francisco. Por ser muito feia, acreditava-se que ela espantava os maus espíritos. O vigor de sua escultura primitiva, marcado pelo fantástico, resulta de sua autenticidade. Ele criava uma fantasia em torno de muitas de suas carrancas, como a querer dar-lhes vida. Impregnou-se de sua funcionalidade e criou o seu estilo. O elemento plástico mais característico à sua escultura é o tratamento que dispensa à cabeleira das carrancas, espessa ou em relevo acentuado. A grandeza de Guarany está na uniformidade do seu trabalho.
Todas as suas peças apresentam um perfeito apuro técnico. De suas mãos e imaginação nasceram quase a totalidade das carrancas que durante anos enfeitaram as embarcações san franciscanas, cumprindo a misteriosa missão de afastar as “feras do mal”, e que hoje, recolhidas em ricas coleções e museus, são signos vivos de uma arte singular.
ORIGEM - Segundo Guarany, seu bisavô, José Dy Lafuente, espanhol de Barcelona, era um jesuíta ou frade de um convento em Salvador, de onde teve que fugir por ocasião de uma revolução, ou talvez da perseguição que Pombal moveu aos jesuítas. Ocultou-se então na casa de uma negra africana de Moçambique - Biquiba - com quem se uniu e refugiou-se no interior da Bahia, indo para Capim Grosso, atualmente Curaçá, às margens do São Francisco, próximo a Juazeiro, onde se tornou professor. Daquela união nasceu Plácido Biquiba Dy Lafuente que, recrutado aos 16 anos e transferido para Salvador, ali participou da Sabinada, obtendo o posto de Alferes sendo destacado para Juazeiro.
O mais velho dos filhos de Plácido e Maria foi Cornélio Biquiba Dy Lafuente, que se casou aos 21 anos, cerca de 1865 (evitando o recrutamento dos solteiros para a guerra do Paraguai), com Marcelina do Espírito Santo, neta de uma índia de Paraguaçu mudando-se de Barra, onde trabalhava com Cirillo Cavalcante, construindo barcas, para Porto, hoje Santa Maria da Vitória, ali continuando com a mesma profissão. Francisco, último dos seis filhos de Cornélio, foi apelidado de Guarany, por ser bisneto de índia. Passou então a assinar Francisco Biquiba Guarany ou Francisco Guarany, sendo conhecido por todos como Guarany.
RECONHECIMENTO - Em 1968, recebeu o diploma de membro correspondente da Academia Brasileira de Belas Artes. Esculpiu carrancas até fins de 1979. Em 1972, foi convidado para proferir palestra em uma Faculdade de Economia de São Paulo, sobre o São Francisco e as carrancas, o que lhe deu grande prazer, pois muito se orgulhava de suas esculturas, especialmente das que fez por encomenda para o exterior e encontradas em vários museus.
Morreu aos 103 anos, em Santa Maria da Vitória, no dia 05 de maio de 1985, como o maior escultor primitivo brasileiro de todos os tempos. Com suas carrancas foi reconhecido pela imprensa de Paris, onde o Comité Internacional pour l' Étude des Figures de Proue - órgão sob o patrocínio da UNESCO, solicitou uma exposição de carrancas para inauguração do Museu Flutuante. O fato consagrou as carrancas internacionalmente. Confirmada pela carta da Presidente do Comité, Liliane Bedel, enviada a Guarany, felicitando-o pela realização da Exposição "Guarany - 80 anos de Carrancas". No município onde ele nasceu, Santa Maria da Vitória, existe o Memorial Francisco Guarany que reúne artistas emergentes e funciona como escola de arte
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