Nos seus filmes, Pasolini se deslocava e se distanciava cada vez mais dos centros industriais. Suas criações desse período foram instrumentos de uma batalha desesperada contra a degradação neocapitalista do mundo. Temos, por exemplo, contra o materialismo burguês, o senso metafísico e o irracionalismo religioso em O Evangelho Segundo São Mateus (1964) e em Teorema (1968); contra o racionalismo pragmático, a magia e a força do irracional e do mito em Édipo-Rei (1967), Medeia (1970) e nas Notas por uma Oréstia Africana (1970); contra a ideologia do desenvolvimento e da eficácia tecnológica, o caos e a barbárie em Pocilga (1969).
A partir de 1970 ele resolveu lutar contra seu pessimismo e consagrou sua “trilogia da vida” à exaltação da realidade corporal simbolizada no corpo nu e no sexo nos filmes Decameron (1971), Os Contos de Canterbury (1972) e As Mil e uma Noites (1974). O sexo é também o principal protagonista de Saló, ou Os 120 Dias de Sodoma (1975), o último filme de Pasolini.
O sexo, não como fonte de prazer, mas como objeto de tortura: é com esta imagem da desrealização fascista do corpo – isto é, justamente do último reduto da realidade – que Pasolini compõe o retrato final do seu mais absoluto desespero.
Talvez o filme mais deliberadamente abusivo produzido por um diretor de primeira linha, Saló mostra perversões sexuais tão cruéis que uma cena comum de amor heterossexual logo é punida com a execução dos amantes.
Apesar do realismo apocalíptico ser a tônica da narrativa de Saló, a força ficcional tem inspiração no romance Os 120 Dias de Sodoma, de Marquês de Sade, que faz Pasolini aproximar sadismo e fascismo como práticas correntes do mundo moderno.
Ambos, para ele, refletem a economia política e o aviltamento consumista da sexualidade. Pasolini sintetiza sua luta contra o terror – da direita e da esquerda. É o grito contra o poder e sua força de manipulação, contra a violência ao pensamento e à mercantilização do corpo, no sentido do aprisionamento às regras de uma sociedade de consumo.
Talvez o filme mais cruel, o grau máximo da ficção cotidiana mais subversiva em seu poder de crítica e desespero que o cinema produziu no século XX. Foi o último delírio de Pasolini.
Pasolini sabia que a sociedade de consumo, cujo poder é planetário, requer indivíduos massificados, dóceis, conformistas, que não perturbem a lógica do consumo. Muitas vezes, poetas e artistas tomados por Dionísio pagam caro seu inconformismo. Rimbaud, Lautreamont, Genet, Dino Campana, Sade, Artaud, Caravaggio, Crevel, Qorpo Santo, Nietzsche, Nerval, Trakl e muitos outros comprovam essa trajetória.
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