14 março 2012

Mallarmé

Há 170 anos nascia (domingo) o muso dos poetas brasileiros: Stéphane Mallarmé (18 de março de 1842/09 de setembro de 1898). O poeta francês nunca visitou o Brasil, mas exerceu uma grande influência entre os brasileiros. A geração do começo do século XX – a dos simbolistas como Maranhão Sobrinho, Alphonsus de Guimarães, Emiliano Perneta ignorou a parte revolucionária da poesia de Mallarmé, preferindo poemas parnaso-simbolistas das primeiras fases, como “Aparição”, tomando emprestado do mestre apenas as imagens metafísicas e a forma do soneto. Os poetas modernistas também leram o francês. Mário de Andrade citou em “Paulicéia Desvairada”, Guilherme de Almeida traduziu em “Brisa Marinha”, Manuel Bandeira homenageou num ensaio por ter feito da própria poesia o tema privilegiado de seus poemas. Mallarmé ainda influenciou Drummond de “Claro Enigma” e João Cabral de “Pedro do Sono” e “Psicologia da Composição”.



Brinde


Nada, esta espuma, virgem verso

A não designar mais que a copa;

Ao longe se afoga uma tropa

De sereias vária ao inverso.


Navegamos, ó meus fraternos

Amigos, eu já sobre a popa

Vós a proa em pompa que topa

A onda de raios e de invernos;


Uma embriaguez me faz arauto,

Sem medo ao jogo do mar alto,

Para erguer, de pé, este brinde



Solitude, recife, estrela

A não importa o que há no fim de

um branco afã de nossa vela.



Cansado do repouso amargo


Uma linha de azul fina e pálida traça

Um lago, sob o céu atrás da nuvem clara

Molha no vidro da água um dos cronos aduncos,

Junto a três grandes cílios de esmeralda, juncos.



Os concretistas beberam do Mallarmé inventor da poesia visual, que privilegia as interrupções, triturando a sintaxe, abolindo a pontuação. Que radicalizou o poema concebendo-o como objeto visual e não apenas para ser ouvido. Ele quebrou o verso, explodindo palavras e imagens no branco da página. Décio Pignatari, Augusto e Haroldo de Campos foram influenciados e lançaram até um livro com traduções de poemas como “A Tumba de Edgar Allan Poe”, “O Brinde” e “Um Lance de Dados”. A geração dos anos 70 também recebeu influências do poeta francês. Ana Cristina César, Paulo Leminski, Armando de Freitas Filhos e muitos outros.


O Acaso


Cai

a pluma

rítmico suspense do sinistro

nas espumas primordiais

de onde há pouco sobressaltara seu delírio a um cimo fenescido

pela neutralidade idêntica do abismo



Fosse


Seria

pior

não

mais nem menos

indiferentemente mas tanto quanto



A Vendedora de Roupas


O olho vivo com que vês

Até o seu conteúdo

Me aparta de minhas vestes

E como um deus vou desnudo





Ao reinventar a poesia como enigma, Mallarmé rompeu com o didatismo, passou a sonhar com leitores refinados e tornou-se poeta para poetas. “Eu procuro o poema como um mistério em que o leitor deve procurar a chave”. Sua marca está na obra de Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro


POESIA


Toda alma que a gente traça

lenta, no ar, em resumidos

vários anéis de fumaça

noutros anéis abolidos


atesta qualquer cigarro

por pouco que separado

fique da cinza e do ssaro

seu claro beijo inflamado.


Assim o coro dos poemas

dos lábios voa sutil.

A realidade, não temas,

excluí-la, porque é vil.


A exatidão torna impura

tua vaga literatura.

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