Brinde
Nada, esta espuma, virgem verso
A não designar mais que a copa;
Ao longe se afoga uma tropa
De sereias vária ao inverso.
Navegamos, ó meus fraternos
Amigos, eu já sobre a popa
Vós a proa em pompa que topa
A onda de raios e de invernos;
Uma embriaguez me faz arauto,
Sem medo ao jogo do mar alto,
Para erguer, de pé, este brinde
Solitude, recife, estrela
A não importa o que há no fim de
um branco afã de nossa vela.
Cansado do repouso amargo
Uma linha de azul fina e pálida traça
Um lago, sob o céu atrás da nuvem clara
Molha no vidro da água um dos cronos aduncos,
Junto a três grandes cílios de esmeralda, juncos.
Os concretistas beberam do Mallarmé inventor da poesia visual, que privilegia as interrupções, triturando a sintaxe, abolindo a pontuação. Que radicalizou o poema concebendo-o como objeto visual e não apenas para ser ouvido. Ele quebrou o verso, explodindo palavras e imagens no branco da página. Décio Pignatari, Augusto e Haroldo de Campos foram influenciados e lançaram até um livro com traduções de poemas como “A Tumba de Edgar Allan Poe”, “O Brinde” e “Um Lance de Dados”. A geração dos anos 70 também recebeu influências do poeta francês. Ana Cristina César, Paulo Leminski, Armando de Freitas Filhos e muitos outros.
O Acaso
Cai
a pluma
rítmico suspense do sinistro
nas espumas primordiais
de onde há pouco sobressaltara seu delírio a um cimo fenescido
pela neutralidade idêntica do abismo
Fosse
Seria
pior
não
mais nem menos
indiferentemente mas tanto quanto
A Vendedora de Roupas
O olho vivo com que vês
Até o seu conteúdo
Me aparta de minhas vestes
E como um deus vou desnudo
Ao reinventar a poesia como enigma, Mallarmé rompeu com o didatismo, passou a sonhar com leitores refinados e tornou-se poeta para poetas. “Eu procuro o poema como um mistério em que o leitor deve procurar a chave”. Sua marca está na obra de Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro
POESIA
Toda alma que a gente traça
lenta, no ar, em resumidos
noutros anéis abolidos
atesta qualquer cigarro
por pouco que separado
fique da cinza e do ssaro
seu claro beijo inflamado.
Assim o coro dos poemas
dos lábios voa sutil.
A realidade, não temas,
excluí-la, porque é vil.
A exatidão torna impura
tua vaga literatura.
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