02 agosto 2006

Quem disse que cabelo não sente? (3)



O movimento punk, detonado a partir de 1976, colocou na moda o estilo mais agressivo de penteado da história do rock. À base de sabão seco, criou-se um estilo pontiagudo cuja variante é o moicano. Cabelos espetados, descoloridos, mais uma vez, o couro cabeludo fica diretamente ligado à contestação. Johnny Rotten (Joãozinho Podre), dos Sex Pistols, virou o rock pelo avesso. Cinismo e energia levados às últimas conseqüências, olhando no olho da rainha e nos seus engomados súditos. Se havia espaço para cortes moicanos, por que não esperar o surgimento do visual de uma sioux? A sombra Siouxsie trouxe o visual gótico, negro como as trevas. Rainha do pós-punk, musa dark. Siouxsie e sua banda Banshees apresentam músicas com letras geralmente escuras e pesadas, estilo terror-soft. Tem a ver com o clima fantasmagórico que o grupo cria em seu visual. O descabelante rock do grupo estilhaçou as vitrinas.

O estilo romântico e rococó típico dos anos 50 foi retomado, com exagero adicional, pelas duas vocalistas da banda new wave The B52´s, Cindy Wilson e Kate Pierson no fim da década de 70. E o reggae jamaicano refletiu a filosofia rastafari com suas próprias interpretações bíblicas. Partindo daí, com a certeza de que o “homem sagrado” não deve cortar seus cabelos, surgiram as dreadlocks (algo como tranças terríveis), mundialmente visualizadas através da figura de Bob Marley. As dreadlocks usadas pelos adeptos da religião jamaicana rastafári começaram a fazer sucesso na Europa a partir da explosão internacional de Bob Marley, em 1978. E influenciam até hoje. No Brasil, as locks foram adotadas por gente como Gilberto Gil e Margareth Menezes.

A irlandesa Sinéad O´Connor sacudiu o círculo pop inglês, cruzou o oceano e freqüentou a lista dos top pop no final dos anos 80. Cabeça raspada e olhar psicótico emolduram oi visual do primeiro disco. Ela assume com garbo sua diferença pictórica e investe na paridade do nome. Sinéad com a ferocidade da tribo Skinhead (“que mal há em cuspir no palco? É como ir ao banheiro; do contrário você explode”). Cabeça barbeada, outsider, introvertida, ela canta o abismo.

Enquanto Sinéad raspa a cabeça, quatro baby faces de cabelos escondendo testas e olhos, com roupas negras, intitulados The Jesus & Mary Chain trazem o som do desespero. Outra banda que não deve ser tomada alegremente: The Sisters of Mercy (As irmãs da Piedade), que mostram seu som pouco misericordioso para com as fraquezas humanas, povoado do niilismo típico de tendência dark.

Algumas vezes careca, outras vezes com o corte retro, a diva da pop music Grace Jones apresenta uma aparência enigmática, como um andróide inviolável. O artista francês Jean Paul Gould foi o responsável pelo design do cabelo, corpo e das capas de Grace. Combinação das mais perfeitas já vistas na música pop. Cantora sedutora, ousada, que brilha com, seu visual exótico e sua música dançante. Curtos ou longos, os cabelos têm cotação, sua mitificação no mundo dos mitos, deuses do Olimpo.

A imagem vale mais que o conteúdo para obter os 15 minutos de fama na década narcisista dos 80. Brotam os cabelos com design, dos incríveis visuais de Grace Jones, a Boy George e Prince. Ninguém podia ter cabelo “igual”. Ganharam destaque as trancinhas afro, também em cabeças louras, e shaves variados. Nos anos 90 Madonna encarna Marilyn Monroe com os cabelos louro-brancos. Ela muda de cor e penteado a cada show. E as cabeças começaram a ficar quadradas.

O cabelo raspado na parte de baixo e moldado geometricamente no alto é o estilo das cabeças gráficas, esculpidas no topo em volumes cada vez mais altos que invadiu Nova York, Inglaterra e chegou também ao Brasil. Bem ao estilo do desenho animado Bart Simpson entrou na onda Lulu Santos, Shabba Ranks e muitos outros. O modismo recebeu a adesão da nova geração reggae que trocou os antigos dreadlocks por cortes rentes ao crânio, marcado por riscos e até mesmo pelo desenho do mapa da África, feitos com tesoura e navalha. O visual pegou e, para ser mantido,m exige cuidados constantes.

Desde Sansão sabe-se o valor de uma bela cabeleira. Com a onda do interlace (cabelos postiços amarrados na raiz dos cabelos naturais), os astros televisivos abandonaram as antigas perucas para mudar o penteado a cada novo trabalho. Postiços, tingidos ou descoloridos, cabelos bem tratados são fundamentais para a imagem de qualquer estrela.

Assim, o cabelo, juntamente com as roupas, é muito mais que um simples detalhe estético: compõe a identidade visual de cada um, uma opção que revela o “mood” da pessoa e define a tribo a que pertence. Os mil e um estilos de cabelos que surgiram nos últimos 60 anos revelam a necessidade, individual e de grupos, de expressar sua liberdade de escolha e uma variedade de tendências. Além do mais, os cabelos se prestam a metáforas, servindo para situações assustadoras (“de arrepiar os cabelos”) ou sofrimentos (“de deixar os cabelos brancos”). (Gutemberg Cruz)

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