08 agosto 2006

O poder da palavra

Uma escritora que tem pleno domínio do ofício, uma verdadeira artesã da palavra, Adriana Falcão assim escreveu: “As palavras têm corpo e alma mas não são diferentes das pessoas em vários pontos. As palavras dizem o que querem, está dito e ponto. As palavras são sinceras, as segundas intenções são sempre das pessoas. A palavra puro não mente. A palavra mando não rouba. A palavra cor não destoa. A palavra sou não vira casaca. A palavra liberdade não se prende. A palavra amor não se acaba. A palavra idéia não muda. Palavras nunca mudam de idéia”.

Palavras são chicotes, palavras são carinhos, as palavras podem mudar radicalmente de efeito, mas nunca serão desprovidas de algum poder de mexer com a realidade, e com as pessoas que fazem parte dessa. Não é só escritores e jornalistas que possuem o atributo de escrever. A fórmula simples e sedutora de agrupar palavras ultrapassa, cada vez mais, as barreiras dos diários, para atrair público diversificado.

Estudantes, médicos, advogados, engenheiros, todos buscam um estilo simples, claro, agradável de escrever. A escrita é um instrumento pessoal, mas, em função das mudanças da língua, somos influenciados até pela internet. Somos poliglotas da nossa língua. Reparem em um jornal, por exemplo, o horóscopo é uma língua, o editorial é outra, os artigos seguem determinado estilo. O estilo é o homem quem faz, cada um tem seu texto.

“As gramáticas classificam as palavras em substantivo, adjetivo, verbo, advérbio, conjunção, pronome, numeral, artigo e preposição. Os poetas classificam as palavras pela alma porque gostam de brincar com elas e pra brincar com elas é preciso ter intimidade primeiro. É a alma da palavra que define, explica, ofende ou elogia, se coloca entre o significante e o significado pra dizer o que quer, dar sentimento às coisas, fazer sentido”, escreveu Adriana Falcão.

Para Falcão as palavras agem, sentem e falam por elas próprias. E enumerou: “A palavra nuvem, chove. A palavra triste, chora. A palavra sono, dorme. A palavra tempo, passa. Porta é uma palavra que fecha. Janela é uma palavra que abre. Existem palavras que dispensam imagens: nunca, vazio, nada, escuridão. Existem palavras sozinhas: eu, um, apenas, sertão. Existem palavras que são palavrão. Existem palavras pesadas: chumbo, elefante, tonelada. Existem palavras doces: goiaba, marshmallow, quindim, bombom. Existem palavras que andam: automóvel. Existem palavras imóveis: montanha”.

Na música popular brasileira, por exemplo, Chico Buarque tem o dom de descrever sentimentos como quem vive cada dor ou alegria, um verdadeiro modelador de palavras. Caetano Veloso na canção “Outras Palavras” declamou: “Nada dessa cica de palavra triste em mim na boca/travo, trava mãe e papai, alma buena, dicha louca/neca desse sono de nunca jamais nem never more/sim, dizer que sim pra Cilu, pra Dedé, pra Dadi e Dó/crista do desejo o destino deslinda-se em beleza:/outras palavras”. Já Cássia Eller em “Palavras ao Vento” cantou: “Ando por aí querendo te encontrar/em cada esquina paro em cada olhar/deixo a tristeza e trago a esperança em seu lugar/que o nosso amor pra sempre viva, minha dádiva/quero poder jurar que essa paixão jamais será//Palavras apenas/palavras pequenas/palavras momento”.

Saindo do lado poético para o lado discriminatório, das palavras injuriosas, agressivas. Há palavras e expressões que carregam uma visão racista do mundo e deveriam ser evitadas, como por exemplo “preto de alma branca” ou “a coisa ficou preta”. Há outras palavras cujo sentido ofensivo existe apenas na cabeça preconceituosa de quem as pronuncia. É o caso de “negro” e de “comunista”. Agora essas palavras quando ditas com intenção de agredir, são acompanhadas de adjetivos pejorativos. Exemplos: “negro safado”, “comunista sem vergonha”. E o uso do termo deficiente para designar privação física é outro termo humilhante.
Esse assunto do banimento de determinadas palavras e expressões discriminatórias foi muito discutido com a polêmica da divulgação de uma cartilha politicamente correta. Mas existe uma outra frente de luta lingüística – a da língua inclusiva. Trata-se de buscar através da linguagem a inclusão de grupos discriminados. Defensores da linguagem inclusiva evitam usar o plural no masculino quando se referem a um grupo de homens e de mulheres. Em vez disso, optam por construções que evitam a distinção de gênero.

Todas essas ações geram reflexões e debates, importantes para a conscientização do povo quanto às desigualdades e preconceitos contidos em nossa linguagem. Sabemos também que a linguagem é preconceituosa, por si só, tudo depende muito mais do leitor, quem tem a liberdade de interpretação, de que do escritor. A linguagem embute significados, tem uma carga enorme de cognições e exatamente tudo isso é riquíssimo. Agora, o bom senso é sempre necessário. É bom e a gente gosta.

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