06 junho 2011

Balada de um Homem Solitário (5)

Encontro


Hoje acordei tarde e assustado. Tinha de ir a\o colégio fazer educação física e assistir o preparo da turma que disputaria a grande corrida. Lavei o rosto e escovei os dentes tão rápido quanto vesti a farda e saí apressado, só tomando um gole de café. No caminho alguém soprou um beijo...

-- Oh!, é para mim?

-- Claro, faço isso quando estou alegre. E isso é raro.

-- Para todos? – perguntei.

-- Não, seu bobo. Só para você.

-- Obrigado. Como é seu nome?

-- Esqueça – interrompeu-me – apenas estou alegre – e sorriu.

-- Mas se é para mim, creio ser hoje o primeiro dia em que nos vemos.

-- Ah!, quando estou alegre, vejo-o todos os dias – confessou.

-- Onde? – perguntei já impaciente.

-- Nos sonhos! – respondeu taxativa.

-- E onde posso encontrá-la?

-- Nos sonhos, rapaz...

-- Ah, sim...nos sonhos....

Enquanto estava embebido das palavras da menina, ela desapareceu numa ruazinha. Quando voltei a mim ...

-- Nos sonhos?! Espere...

Já havia sumido, o resto foi continuar meu caminho para o colégio. Logo na entrada vi que o atraso foi geral e não dava mais tempo de entrar na quadra de esportes onde a turma se exercitava. Fiquei sentado num dos degraus da escada a pensar... O cabelo desordenado lhe caía por um dos olhos, e que ela de vez em quando afastava impaciente. Aquilo parecia-me algo maravilhoso, mas foi tudo tão rápido... não teria sido um sonho...,creio que não, ainda me lembro quando lancei um olhar furtivo à sua face, o seu sorriso...não....

Alguém interrompeu meu pensamento batendo levemente em meu ombro.

-- Sonhando acordado rapaz?

-- Olá, Álvaro – saudei desapontado.

-- O que é que deu em você, rapaz? Não faz exercício e ficou o tempo todo nesse batente tomando sol, e com o olhar distante...

-- Não é nada, não – interrompi bruscamente -, apenas acordei tarde e cheguei atrasado, só!

-- E o olhar distante, o que me diz?

-- Isso é uma análise médica ou uma intromissão em meus problemas?

-- Nem uma coisa nem outra, apenas tento ajuda-lo, mas já que é assim...

-- Olhe, Álvaro, desculpe-me o tom, mas estou confuso, sabe? Quando vim para cá, vi uma sereia.

-- Sereia?! – indagou, perplexo – está doido rapaz!?

-- Não é sereia de mar – esclareci -, eu vi uma sereia, menina linda...

-- Mas sempre houve aqui, no bairro, essas belezas, você é que nunca notou.

-- Mas essa, rapaz...

-- Já sei, você gamou.

-- Olha, não sei, não.... – respondi -, foi tudo muito rápido.

No dia seguinte não se falava em outra coisa a não ser o espetáculo, no Vila Velha. O tão badalado show de Caetano Veloso foi assunto geral na roda dos estudantes. Ele que já havia sido classificado com a música “Alegria Alegria” no Festival da Record, estava entre nós, para mostrar os seus sucessos. “Soy loco por ti, América/soy loco por ti, amore”. O teatro estava lotado, a turma levada os dedos à boca e vários assobios agudos cortavam o ar. Por um segundo, o silencio foi total. As luzes apagaram e da semi-escuridão em azul pálido, apareceu Caetano, aos requebros, oi que foi motivo de assobios geral, “eu sou o superbacana/que mora em Copacabana”.

O mito estava ali respondendo aos seus fãs. “Sobre a cabeça os aviões/sobre os meus pés os caminhões/aponta contra os chapadões meu nariz/eu organizo um movimento/eu oriento o carnaval/eu inauguro um monumento no planalto central do país”. A turma cada vez mais agitada e eu levantava-me, olhando para os lados, para ver se encontrava a garota que vi numa certa manhã. Mas, de súbito, as luzes acenderam,m respiração suspensa na platéia, era a vez do seu sucesso no Sul, “caminhando contra o vento/sem lenço sem documento;num sol de quase dezembro/eu vou...”. O show chegou ao fim com muitos comentários a respeito do modismo do cantor e eu, desiludido por não ter encontrado a misteriosa garota.

Estamos publicando um folhetim com 17 capítulos dessa história escrita em 1975

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