10 maio 2011

A invenção do Nordeste (1)

Vivemos um momento de desidentificação com a memória nacional e regional. O livro de Durval Muniz de Albuquerque Júnior, “A Invenção do Nordeste e outras artes” (Cortez Editora, 2006) é uma boa prova disso. O trabalho de pesquisa para a realização do doutorado em História na Unicamp, defendido em 1994 apresenta o surgimento de um recorte espacial, de um lugar imaginário e real no mapa do Brasil, que todos nós conhecemos profundamente, não importa de que maneira, mas que nunca pudemos imaginar com uma existência tão recente. E falar do Nordeste é inventariar os muitos estereótipos e mitos que emergiram com o próprio espaço físico reconhecido no mapa composto por alguns estados e cidades. É mobilizar todo o universo de imagens negativas e positivas, socialmente reconhecidas e consagradas, que criaram a própria idéia de Nordeste.


Um trabalho de pesquisa aprofundado que desconstrói foucaltianamente os discursos que deram visibilidade e que tornaram dizível a região nordestina. O que o livro interroga não é apenas por que o Nordeste e o nordestino são discriminados, marginalizados e estereotipados pela produção cultural do país e pelos habitantes de outras áreas, mas ele investiga por que há quase 90 anos dizemos que somos discriminados com tanta seriedade e indignação. Como, por meio de nossas práticas discursivas, reproduzimos um dispositivo de poder que nos reserva o lugar de pedintes lamurientos. “Nós, os nordestinos, costumamos nos colocar como os constantemente derrotados, como o outro lado do poder do Sul, que nos oprime, discrimina e explora. Ora, não existe esta exterioridade às relações de poder que circulam no país, porque nós também estamos no poder, por isso devemos suspeitar que somos agentes de nossa própria discriminação, opressão ou exploração. Elas não são impostas de fora, elas passam por nós. Longe de sermos seu outro lado, ponto de barragem, somos ponto de apoio, de flexão. A resistência que podemos exercer é dentro desta própria rede de poder, não fora dela, com seu desabamento completo”, escreveu no prefácio.

“O Nordeste é tomado, neste texto, como invenção, pela repetição regular de determinados enunciados, que são tidos como definidores de caráter da região e de seu povo, que falam de sua verdade mais interior”. As fontes utilizadas foram desde o discurso acadêmicos, passando pela publicação em jornais de artigos ligados ao campo cultural, à produção literária e poética de romanistas e poetas nordestinos ou não, até músicas, filmes, peças teatrais, que tomaram o Nordeste por tema e o constituíram como objeto de conhecimento e de arte.


Divididos em três capítulos, o primeiro, Geografia em Ruínas acompanha as transformações históricas que possibilitaram a emergência da idéia de Nordeste, desde a emergência do dispositivo das nacionalidades, passando por uma mudança na sensibilidade social em relação ao espaço, à mudança da relação entre olhar e espaço trazido pela modernidade e pela sociabilidade burguesa, urbana e de massas.


O segundo capítulo, Espaços da Saudade, aborda esta invenção regional, o surgimento do Nordeste como um novo recorte espacial no país, rompendo com a antiga dualidade Norte/Sul. A seca, o cangaço. O messianismo, as lutas de parentela pelo controle dos Estados, são temas que fundarão a própria idéia de Nordeste, uma área de poder que começa a ser demarcada, com fronteiras que servirão de trincheiras para a defesa dos privilégios ameaçados.


No terceiro capítulo, Territórios da Revolta, é abordado uma série de reelaboração da idéia de Nordeste, feitas por autores e artistas ligados ao discurso de esquerda. Nordeste gestado, a partir dos anos 30, por meio de uma operação de inversão das imagens e enunciados consagrados pela leitura conservadora e tradicionalista que dera origem à região. Obras como as de Jorge Amado, Graciliano Ramos, Portinari, João Cabral de Melo Neto produzem Nordestes vistos pelo avesso, Nordeste como região da miséria e da injustiça social. Estes Nordestes, construídos pelo avesso, ficam presos, no entanto, aos mesmos temas, imagens e enunciados consagrados e cristalizados pelos discursos tradicionalistas.

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