09 maio 2011

Controle e disciplina dos fiéis (6)

As liberdades democráticas são a principal reivindicação do mundo árabe, região onde concentra a maioria de seguidores do islamismo. Nessa localidade as mulheres são as maiores vítimas da repressão. Amordaçadas através da burca que lhes cobre o corpo, o rosto e a boca, elas não tem direitos sexuais, são submetidas à mutilação genital, não tem direitos patrimoniais, intelectuais ou mesmo de leve locomoção. Não dirigem veículos, não podem mostrar os cabelos, usar roupas que realcem as formas do corpo e são obrigadas a cobrir-se da cabeça aos pés para sair às ruas.


Essa repressão à mulher é um dos temas da obra Erotismo e Pornografia nas Artes que estou escrevendo há cinco anos. Esse material é inédito. Eis um recorte:


Os símbolos e imagens, metáforas e relações que habitam no imaginário popular a partir das tradições bíblicas é uma mescla entre homens e mulheres cheios de ordenações e danações em seus corpos pecadores e mortais, uma visão simplificada e que continua nos dias atuais. É preciso desenvolver uma reflexão maior sobre tudo isso.


A religião confina a sexualidade à zona do secreto, criando a culpabilidade, a proibição. A essa zona onde a proibição dá ao ato proibido uma claridade opaca, ao mesmo tempo “sinistra e divina”, claridade lúgubre que é as da “obscenidade” e do “crime”, e também a da religião. Por outro lado, a medicina, na época, provava com dados estatísticos e argumentos materialistas que as mulheres foram destinadas pela Natureza ao exercício da função reprodutiva, e acenava para quem seguisse seu destino natural, promovendo a mulher-mãe e o exercício da maternidade a uma função não só natural, mas de ordem moral e política.

Nascida na sociedade judaica patriarcal da Palestina, a Bíblia denota uma sinistra associação das mulheres à tentação do pecado. Servas que tinham como principal função a procriação, elas atuavam um papel social secundário. Representam apenas 10% dos três mil nomes citados no livro sagrado, como apontou a pesquisadora norte-americana Elisabeth Cady Stanton, que em 1892 escreveu A Bíblia da Mulher. “Há cerca de 200 mulheres mencionadas pelo nome, além de outras 100 anônimas”, contabiliza a historiadora e pastora metodista Margarida Ribeiro. Pior: elas são frequentemente associadas a ações ruins, como no caso de Eva, a responsável pelo “pecado original”. Sara, a mulher de Abraão, é estéril e sofre de inveja da escrava Hagar, escolhida para conceber o filho que dará prosseguimento à linhagem.


Por séculos a leitura das escrituras sagradas foi exclusivamente dos líderes cristãos, o que permitiu que a experiência de Jesus Cristo (que quebrou o tratamento discriminatório das mulheres com seu discurso libertador, de amor e de igualdade) na Terra sofresse adaptações nem sempre fiéis à realidade. Nenhuma distorção parece ter influenciado tanto a sexualidade cristã como a da história de Maria Madalena. Personagem feminina mais citada no Novo Testamento (seu nome aparece 12 vezes), ela foi a única pessoa a testemunhar a morte e a ressurreição de Cristo, segundo os quatro evangelhos. Apesar dessa exclusividade, a personagem ficou marcada como se tivesse sido uma prostituta arrependida, possivelmente uma confusão com outras Marias mencionadas. A Bíblia conta que Jesus andava, sem preconceitos, com prostitutas, mendigos e leprosos, e que expurgou do corpo de Madalena c”sete demônios”. Esse mistério pode ter dado origem à interpretação errada. O fato é que, no ano de 591 d.C., o papa Gregório determinou que Madalena e a prostituta era a mesma pessoa. O mito vigorou por 13 séculos até que, em 1969, o papa Paulo VI desfez a confusão.

A grande influência do catolicismo como o conhecemos vem do discurso de São Paulo, um celibatário convicto. Líder de origem judaica ortodoxa que perseguia e torturava cristãos, Saulo de Tarso converteu-se ao cristianismo – e adotou o nome de Paulo – depois de uma visão milagrosa de Jesus. Passou, então, a ser o maior divulgador da doutrina fora de Jerusalém, inclusive em Roma. Depois dele, Santo Agostinho (354-386) associou o ato sexual ao pecado, discurso logo encampado em 392 pelo papa Siríco. Voraz defensor da virgindade, Siríco era o chefe supremo da Igreja quando o Império Romano assumiu o cristianismo como religião oficial, no século 4. Rechaçado por São Paulo, o casamento dos padres da Igreja Cristã ocidental foi oficialmente proibido no século 16, quase ao mesmo tempo em que o padre alemão Martinho Lutero rompia com os católicos e dava origem ao protestantismo. A vida sexual ativa da comunidade eclesial,. Graças a Lutero, tornou-se um dos grandes diferenciais dos cristãos protestantes. O radicalismo de impor o celibato como obrigação – e não opção – aos padres diocesanos virou um fardo tão pesado para humanos de carne e osso que deu origem aos escândalos de pedofilia e assédio sexual dentro da Igreja Católica.


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