02 maio 2011

Controle e disciplina dos fiéis (1)

As liberdades democráticas são a principal reivindicação do mundo árabe, região onde concentra a maioria de seguidores do islamismo. Nessa localidade as mulheres são as maiores vítimas da repressão. Amordaçadas através da burca que lhes cobre o corpo, o rosto e a boca, elas não tem direitos sexuais, são submetidas à mutilação genital, não tem direitos patrimoniais, intelectuais ou mesmo de leve locomoção. Não dirigem veículos, não podem mostrar os cabelos, usar roupas que realcem as formas do corpo e são obrigadas a cobrir-se da cabeça aos pés para sair às ruas.


Essa repressão à mulher é um dos temas da obra Erotismo e Pornografia nas Artes que estou escrevendo há cinco anos. Esse material é inédito. Eis um recorte:


A forma de punição evoluiu. Até o século VI, prevalecia a vendetta e o indivíduo tinha o direito de usá-la quando ofendido. Depois, do século VI ao XIII, o ordálio pela água ou pelo fogo podia esclarecer, em caso de dúvida, sobre a culpa ou inocência do acusado. Do século XIII até o XVIII, o inquisitio foi adotado. O processo se baseava em suspeita, denúncia ou confissão.


A Idade Moderna surge nas mãos de uma elite autoritária que pune com a morte física ou moral os que não se enquadram nas categorias que ela privilegiou e reconheceu como as únicas normas: os religiosos e os fiéis tementes a Deus e aos mandamentos da Santa Igreja, divulgados pelos eclesiásticos, os intérpretes das palavras dos apóstolos. Judeus, prostitutas, homossexuais, leprosos, hereges e bruxas eram marcados, segregados, depois de julgados eram condenados à fogueira. Coube à Igreja especificar o que podia e o que não podia ser feito em matéria de sexo; o que era certo e o que era errado. O sexo, mesmo entre marido e mulher, era sujo, pecaminoso, impedia a perfeição espiritual e só era tolerado como um mal necessário à preservação da espécie. O sexo por prazer era um pecado mortal; a única posição permitida, a que assegurava ao homem o domínio sobre a mulher, era a do missionário – os parceiros frente a frente, a mulher embaixo, o homem em cima. Relação anal, oral ou dorsal eram perversões e todas engrossavam a lista dos pecados mortais.

O artifício da Igreja para que a administração das culpas e dos pecados se mantivesse em níveis toleráveis eram as confissões e as penitências. Para os fiéis, funcionavam como catarse; para a Igreja, era a maneira de controlar e disciplinar os fiéis, mantê-los em rédeas curtas; para ambos, uma forma ilimitada de aguçar a imaginação, de se excitar por meio de relatos de intercursos sexuais, dos mais normais aos mais escabrosos, segundo a visão do clero e do interesse dos padres não só em escutar, mas também em insinuar, em perguntar, em exigir que tudo lhes fosse confiado, em detalhes, para que pudesse melhor avaliar a extensão do pecado e a penitência adequada para redimir o pecador.


E a medida que a repressão aumentava, os pecados se tornavam mais requisitados e foram necessários códigos minuciosos, em que os pecados eram alinhados segundo o grau da ofensa, as penitências distribuídas de acordo com o tamanho da falta. Surgiram os Penitenciais, livros elaborados com o zelo dos que se preocupavam com detalhes, com todas as nuanças que a prática sexual, desviada das normas estabelecidas, podia inventar, em cada perversão que os padres deviam conhecer para dirigir a confissão e aplicar o castigo certo. Os Penitenciais não devem nada à indústria de revistas pornográficas.


A noção de diferença sexual se constituiu firmemente no imaginário cultural do Ocidente na virada do século XVIII para o XIX, a partir das contradições produzidas pelo ideário igualitário constituído pela Revolução Francesa. Até então, os sexos eram concebidos de maneira hierárquica, sendo sempre regulados pelo modelo masculino, figurado como o sexo perfeito. Foi este último modelo que prevaleceu, como referência e paradigma, na tradição ocidental desde a Antiguidade.


Foi a igualdade dos direitos dos cidadãos, propagada e sustentada ao longo do século XVIII, que subverteu definitivamente o modelo hierárquico do sexo único imperante no Ocidente desde a Antiguidade.


A ética cristã transformou radicalmente a positividade reconhecida no erotismo pela tradição do paganismo da Antiguidade. Com o cristianismo, o erotismo foi esvaziado de suas virtudes e concebido como pura negatividade. Somente existiria a concepção caso o orgasmo da mulher estivesse presente na relação sexual. Mas, o cristianismo desarticulou os registros do prazer e da reprodução, considerando o primeiro como da ordem do pecado. Constituiu-se, assim, a diabolização do desejo feminino, que poderia desviar as mulheres da existência casta e do caminho virtuoso da maternidade. Na ética cristã a relação sexual só seria permitida e reconhecida com fins reprodutivos, devendo ser silenciada qualquer dimensão de gozo no corpo feminino. A figura da mulher possuída pelo desejo foi, assim, identificada como a obra do Mal. O diabo seria responsável pelo erotismo feminino, manipulando o corpo da mulher na sua disputa incansável com Deus.

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