A música brasileira tem grandes exemplos
de como os personagens de quadrinhos dão samba, rock, mpb, rap e outros
gêneros. Em 1936 Noel Rosa e Vadico compuseram o samba Tarzan, o Filho do
Alfaiate, cuja gravação fez parte da trilha sonora do filme Cidade Mulher.
Na década de 60 as músicas sobre
personagens dos quadrinhos ganharam as paradas de sucesso. Nos tempos da Jovem
Guarda, Roberto Carlos gravou Brucutu, versão em português para Alley Woop
(nome original da criação de V.T.Hamlin), da banda The Hollywood Argyles. E o
Trio Esperança gravou A Festa do Bolinha que agradou a todos. Composta pela
dupla Erasmo e Roberto em 1965, A Festa do Bolinha marcou o início dos temas
infantis. Nesse mesmo ano Albert Pavão grava sua composição Tio Patinhas com o
acompanhamento dos Jet Blacks, mas o escritório da Disney no Brasil não liberou
o lançamento do disco. A solução foi lançar essa música independente já que
fazia sucesso em apresentações ao vivo. No ano seguinte, 1966 quem fez sucesso
foi Meire Pavão com Família Buscapé
lembrando dos quadrinhos de Ferdinando.
Gotham City música de Jards Macalé e
Capinam, participou do IV Festival Internacional da Canção em 1969, depois foi
regravada pelo conjunto Camisa de Vens na década de 80.
Na reportagem de capa da revista Veja
(n.90, de 27/05/1970, pags 70 a 76 com layout de Hélio de Almeida) Jorge Bem
revela a Tárik de Souza que é fã de histórias em quadrinhos: “Meu herói
favorito, no momento agora estou lendo muito, chama Thor. No Thor, por exemplo,
eu acho sensacional um deus baixar aqui na terra e se apaixonar por uma
terrestre não poder casar, porque o pai dele, o deus supremo, Odin, o
todo-poderoso deles, não consente que um deus se case com uma mortal”. A canção
Charles Anjo 45, dedicada a um antigo amigo é quase uma figura dos seus sonhos,
um personagem fantástico de suas histórias em quadrinhos. E Jorge tem uma
música para Barbarella: “Quem me dera eu ser integalático para estar dormindo
nas estrelas e não falando de amor com você”.
“Acorda em festa e manifesta sua alegria/como
criança vai curtindo sua fantasia/um dia é Robin, outro pode ser o Mancha
Negra/Superpateta, Super Homem, rei da brincadeira”, letra de Boi da cara
branca, de Helio Matheus, em 1977. Um ano depois o grupo Os Originais do Samba
(que contava com o trapalhão Mussum na trupe) compôs O aniversário de Tarzan em
cuja letra desfilavam personagens como Cascão, Cebolinha, Mandrake, Fantasma e
outros em 1978: “Quando eu entrei na mata,/Bebi agua na cascata,/Era uma linda
manhã, que manhã,/Os macacos pulavam em festa,/Era aniversário do Tarzan//O
Príncipe Lothar e o Mandrake,/Chegaram com o Fantasma Voador,/Tudo era
alegria./O Zorro chegou beijando/O sargento Garcia/A Mônica com aquele jeitinho
que só ela tem...”
A banda paulistana de rock Lee Jackson fez sucesso em 1979 com
Era os super heróis e virou clipe no programa Os Trapalhões. Diz o final da
letra, co-escrita por Paulo Coelho: “Vamos dar viva aos grandes heróis/Vamos em
frente, bravos cowboys/Avante! Avante! Super-Heróis/Ai-oh Silver!/Shazan”. Na
década de 70, Caetano Veloso cantou Superbacana: “Toda essa gente se engana/Ou
então finge que não vê que eu nasci/Pra ser o superbacana/Eu nasci pra ser o
superbacana/Superbacana Superbacana//Superbacana Super-homem/Superflit,
Supervinc/Superist, Superbacana (...) Do avanço econômico/A moeda número um do
Tio Patinhas não é minha/Um batalhão de cowboys/Barra a entrada da legião dos
super-heróis//E eu superbacana/Vou sonhando até explodir colorido/No sol, nos
cinco sentidos/Nada no bolso ou nas mãos/Um instante, maestro”.
Em 1982 Zé Ramalho lançou o disco Força
Verde, cuja faixa título ganhou as manchetes de jornais e revistas por sua
letra, que não passava de plágio de um poema do dramaturgo e poeta irlandês
William Butler Yeats, cuja tradução para o português fora usada em uma HQ do
Hulk publicada pelo Grupo Editores Associados (GEA) em 1972.
Anos depois, em 1985, Jorge Mautner atacou
com Cachorro Louco (“Um relâmpago dourado rasgou o céu do gibi / E eu fiquei
todo chamuscado /Quando o relâmpago bateu aqui /Na minha calça Lee / E depois o
Homem-Aranha / Na página dois do mesmo gibi / Me agarrou e quis saber por quê”).
Também em 1985, a banda punk Garotos
Podres gravou Batman, com uma letra nada favorável ao Cavaleiro das Trevas: “Velhos
tempos, em quantas belas vomitadas nós dávamos /Quando assistíamos a toda
aquela idiotice /Por isso agora escrachamos aquele bat-retardado / Defensor do
Sistema, Batman”.
Ainda na década de 80 Arrigo Barnabé
emergiu para a aceitação popular com Clara Crocodilo, um LP que se apropriava das
narrações, dos personagens das cenas fragmentadas dos gibis. A capa do disco
ficou a cargo do quadrinista Luiz Gê. Numa entrevista a revista Imprensa
(1993), o cartunista Angeli informava que criava personagens embalado pelo rock:
“A informação que alimenta meu trabalho nunca foi gráfico. A fonte é a música”.
“Eu escuto uma porrada de coisas. Do mambo a rockabilly. Só não gosto de música
clássica e country. Meu gosto é bastante proletário e intensamente urbano. O rock
e seus afluentes são a trilha sonora da minha vida”, disse Angeli numa
entrevista a revista Mil Perigos a Luís Fernando Verissimo.
As linguagens do rock e dos quadrinhos
estão entrelaçadas. Raul Seixas era um aficionado leitor e desenhista de
quadrinhos na juventude. O título de um dos seus primeiros discos Krig-há,
Bandolo! (grito de guerra do personagem Tarzan). Bob Cuspe, criado pelo
cartunista Angeli, é o personagem síntese do retrato da cena punk paulistana.
Rê Bordosa, também do Angeli, inspirada indiretamente em Rita Lee, é a
dama-junkie-feminista do quadrinho brasileiro. “Eu considero a minha biografia,
as tirinhas da Rê Bordosa. Principalmente quando ela estava vomitando do lado
da banheira, com depressão, a minha cara” , disse Rita Lee, em entrevista pro
Canal Brasil. Ainda desse desenhista tem a dupla Wood e Stock, os dois
nostálgicos hippies ainda vivem à margem da sociedade e o clima utópico do
“flower power”.
Moacir Pereira Fraile, o Hulk, baterista
da banda rockabilly Kães Vadius fez as capas de seus discos e eventualmente
produzia a quadrinização das letras dos grupos amigos, como o Garoto Podre. Na
época ele confessou: “Antes de o videoclipe terá força que tem hoje, a
linguagem mais rápida que expressa o rock era o quadrinho”. Hulk quadrinizou a canção
Meu Bem do Lp A Mesma Merda.
Fernanda Abreu, ex-integrante da banda
Blitz que elegeu o funk, disse que se inspira da maneira total nos quadrinhos.
Seu Lp Sla Radical Dance Disco Club (
) tem uma cação, Speed Racem, que evoca o quadrinho animado japonês e
cita o “eu tenho a força”, de He-Man. Fernanda é casada com Luiz Stein, um
quadrinista que ariscou uma dupla muito fértil com o videomaker Marcelo Tass.
Nos oito anos na companhia de Stein, Fernanda Abreu aprendeu, em períodos
alternados, a idolatrar Hugo Pratt, Guido Crepax, a linha clara belga e Frank
Miller. Antes ela lia Fantasma, Batman e Super Homem.
A cantora e compositora carioca vê muitas
relações entre quadrinhos e música. “O imaginário dessas linguagens não é palpável”,
ela raciocina. “A folha em branco, nos dois casos, é o ponto de partida para a
composição. Nos quadrinhos e na música, não acontece como no cinema, que tem
limites. A HQ parte do nada para remeter a locais distantes. Como a música”.
Rock é a mesma coisa que quadrinhos, só
que é diferente. Gordo, um apaixonado pelas sujeiras do artista francês
Vuillemin, parece ter razão quando insinua esse paradoxo. Vindas do mesmo
celeiro industrial, crescidas na América livre, as duas manifestações só
diferem quanto a cores e tirinhas. E se dão apaixonadamente vem, como é
frequente entre os irmãos.
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