09 abril 2020

Forte ligação entre música e quadrinhos (04)


A música sempre esteve presente nas histórias em quadrinhos. Grande número de artistas atua nas duas atividades. Falam uma só linguagem e mantêm uma relação que vem sendo registrada em muitos discos, cds e revistas.



O fundador da Zap Comics, Robert Crumb, no início dos anos sessenta balançou a cena com suas publicações, a saga das viagens psicodélicas dos hippies e, sobretudo, histórias da música norte-americana de raiz, como o blues, jazz e o folk. Amigo pessoal de Janis Joplin ele desenhou a capa e “Cheap Thrills”, o primeiro LP da banda “The Big Hold Company”, de 1968. Crumb ilustrou trabalhos, pôsteres e outras peças musicais para gente como James Brown, Frank Zappa, Gus Cannon, George Jones, Woody Guthrie, MTV, entre outros novos artistas e ícones esquecidos do blues e do jazz feito entre os anos 20 e 30, esses últimos, os verdadeiros idolos de Crumb.




No livro Minha Vida, uma compilação das tiras de Crumb, ele conta no início da carreira a música foi uma ferramenta de trabalho, e que ele costumava se inspirar em canções antigas de jazz e blues para criar seus personagens. As capas de Crumb foram reunidas em um livro, R. Crumb: The Complete Record Cover Collection, que traz ainda pôsteres e outras ilustrações musicais feitas por ele. Na web, há um vídeo disponível em que Crumb fala das duas paixões, a música e os quadrinhos:



Alan Moore (Watchmen, Piada Mortal, V de Vingança) era integrante do grupo de rock chamado The Sinister Ducks, que teve a capa do disco desenhado por outro roqueiro, Kevin O´Neill (A Era Metalzóica). Já o francês Frank Margerin é outro adepto do ritmo, assim como os Irmãos Hernandez que formaram a banda Nature Boy.



O punk ainda influencia tudo o que faço”, disse Gaiman numa entrevista em 2011. “Você precisa estar disposto a cometer erros, e disposto a cometê-los em público, às vezes, a melhor maneira de aprender algo é fazendo de forma errada e observando o que fez” (pag.34). “A atitude ´faça você mesmo` do punk sem dúvida influenciou minha carreira, incluindo os quadrinhos. Sem o punk, talvez seguisse o plano original de me tornar teólogo corporativo, enquanto sonhava de forma melancólica em virar escritor” (Lawley, 1991).




Desde o início dos anos 80 um rato com cara de sacana frequenta as capas dos discos do Ratos de Porão. Trata-se do logotipo da banda. O desenhista é Francisco Marcatti, autor as capas Anarcophobie, Brasil, entre outras. É dele também a versão para os quadrinhos de João Gordo, Jão, Jabá e Boka e estão na revista RxDxPx lançada em 1992. A revista é um projeto independente do desenhista.


Já o vocalista  da banda My Chemical Romance e hoje em carreira solo, Gerard Way  é o roteirista de The Umbrella Academy – Suíte do Apocalipse (2009) e The Umbrella Academy – Dallas (2011), lançadas no Brasil pela Devir, com desenhos de Gabriel Bá. A série acompanha a vida de sete jovens que nasceram com super-poderes espalhados por um mundo no qual o presidente Kennedy, dos Estados Unidos, jamais foi assassinado. Numa entrevista dada a Isabelle Felix e publicada no site UniversoHQ (http://www.universohq.com/entrevistas/gerard-way-entre-a-musica-e-os-quadrinhos-os-dois/) ele falou da relação música e quadrinhos: Para Way, “a música é o meu caminho para entrar em várias coisas. Muitas vezes, quando quero escrever uma história, geralmente é uma música que me inspira para escrevê-la. Então, a música é onde tudo começa”.


Garth Ennis gosta de usar letras de composições conhecidas do imaginário popular em epígrafes: citações no início ou final de capítulos de modo a ilustrar os temas abordados. Em Preacher, a primeira das 66 edições da série abre com Time of the Preacher, de Willie Nelson, que fala sobre um pregador obstinado em busca do amor de uma mulher, exatamente como o protagonista Jesse Custer.



No período em que o escritor irlandês passou pelo título Hellblazer, casa de John Constantine, vê-se a repetição desse expediente. O lendário arco Hábitos Perigosos é finalizado em uma página sem falas, somente com um trecho de A Rainy Night in Soho, do Pogues. Os versos agridoces (We watched our friends grow up together/ And we saw them as they fell/ Some of them fell into Heaven/ Some of them fell into Hell) refletem o sentimento da redenção forçada, solitária, vivida pelo personagem.



O título do álbum de Jay-Z, Kingdom Come, lançado em 2006, foi inspirado na clássica minissérie de Alex Ross e Mark Waid, conhecida no Brasil como O Reino do Amanhã. Outro que é um fanboy pesado de quadrinhos é MF DOOM, rapper que tirou sua persona em boa parte de Doctor Doom, um vilão da Marvel. Ele até usa Madvillain como apelido, quando convém. Ele nunca é visto ou fotografado sem a máscara, exceto por imagens da época do KMD, seu antigo grupo.



Além dessa função de comentar aspectos de uma história, músicas também podem ser usadas como trilha sonora incidental. Um “som de fundo”, cujo objetivo é criar a ambientação para determinada cena. Lourenço Mutarelli faz isso brilhantemente em Diomedes. No clímax de cada um dos três livros, o autor coloca no rodapé dos quadros o nome das canções a serem tocadas enquanto as páginas são lidas – indica inclusive o momento em que elas devem cessar. Tem um country sombrio de Bob Neuwirth e John Cale, um xote malandro de Tom Zé e uma peça instrumental etérea e assustadora de Ravi Shankar, que acompanham sequências praticamente mudas de ação física.




Outra série de Fraction, a cultuada Gavião Arqueiro, da Marvel, também possui trilha sonora “oficial”. No caso, o desenhista David Aja cria playlists para cada edição e as divulga em seu blog. Ali, inclui jazz, funk, lounge e psicodelia, gêneros que casam perfeitamente com o clima urbano setentista do gibi. E bem que Joe Casey e Jim Mahfood poderiam fazer o mesmo em Miami Vice, adaptação contemporânea do renomado seriado, publicada pela IDW/Lion Forge. As cores berrantes da arte de Mahfood imploram pelos teclados e sintetizadores dos anos 1980.


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