Ele deixou de ser um mero gênero musical
para se tornar um dos mais importantes patrimônios da humanidade. Não é um
estilo musical, é um estado de espírito. Nasceu para dar voz aos escravos dos
Estados Unidos. A partir da década de 1860, os spirituals (canções religiosas
entoadas pelos negros africanos desde sua chegada à América) sofreram uma
mutação. Além de apelar para Deus, os escravos começaram a curar suas dores de
amor através da música.
Como revela o pesquisador Roberto
Muggiati, o blues nasceu com o primeiro escravo negro na América. O negro era
uma ferramenta de trabalho. Até nos raros momentos de lazer, quase tudo lhe era
interditado. Não podia tocar instrumentos de percussão ou de sopro. Os brancos
receavam que pudessem ser usados como um código, incitando à rebelião. Assim, a
voz ficou sendo o principal – senão o único – instrumento musical do negro. Era
usada nas work-songs, canções em que o feitor cadenciava o trabalho dos escravos,
a batida dos martelos ou machados, o levantamento de cargas etc. Estas canções
ajudavam a amenizar e racionalizar o trabalho e o tornavam mais rentável.
Para o estudioso inglês Paul Oliver, "...o
blues é um estado de espírito e a música que dá voz a ele. O blues é o lamento
dos oprimidos, o grito de independência, a paixão dos lascivos, a raiva dos
frustrados e a gargalhada do fatalista. O blues é a emoção pessoal do indivíduo
que encontra na música um veículo para se expressar. Mas é também uma música
social: o blues pode ser diversão, pode ser música para dançar e para beber, a
música de uma classe dentro de um grupo segregado. O blues pode ser a criação
de artistas dentro de uma pequena comunidade étnica, seja no mais profundo Sul
rural, seja nos guetos congestionados das cidades industriais. O blues é a
canção casual do guitarrista na varanda do quintal, a música do pianista no
bar, o sucesso do rhythm and blues tocado na jukebox. É o duelo obsceno de
violeiros na feira ambulante, o show no palco de um inferninho nos arredores da
cidade, o espetáculo de uma trupe itinerante, o último número de uma estrela
dos discos. O blues é todas estas coisas e todas estas pessoas”.
O berço do jazz foi no Delta do
Mississipi, nas vizinhanças de Nova Orleans. Já o blues teve como berço o delta
lamacento do rio Yazoo nas proximidades de Vicksburg, parte sul do Mississipi. O
estilo também marcou uma ruptura no formato musical. Fugindo da complexidade do
jazz e da rigidez dos eruditos, o blues nasceu como uma música crua. Em sua
grande maioria as canções têm apenas três acordes, construídos segundo a famosa
escala pentatônica, uma sequência básica de apenas cinco notas musicais. Com
essa base harmônica quase simplória, o estilo disseminou-se rapidamente pelo
sul dos Estados Unidos. Durante o século XIX, o blues era uma tradição oral
passada nos campos de geração para geração.
O blues nasceu por volta da segunda metade
do século XX, logo depois da Guerra Civil Americana, destilado da música
africana que os escravos trouxeram para o Sul dos EUA. Embora a vida que
levassem nas lavouras de algodão fosse um inferno, os negros ainda encontravam
tempo para cantar suas tristezas (blues) e fazer disso uma arte.
Foi dos cantos de trabalho no campo, das
baladas, da música de igreja e dos ritmos das danças africanas que evoluiu uma
música da chamada-e-resposta entre o cantor e seu violão, isto é, cada verso
cantado era respondido por um fraseado o instrumento. O blues primitivo era
irregular e seguia a cadencia da fala, como pode ser observada nas gravações
feitas nos aos 20 e 30 por Blind Lemon Jefferson, Robert Johnson e
Lightnin´Hopkins. Quando o radio espalhou o blues pelo Sul dos EUA, a música da
raça tornou-se mais regular, estabelecendo-se numa fórmula na qual um verso era
repetido e respondido sobre uma progressão de acordes em doze compassos. Nascido
de uma longa tradição oral e abalando então pesadamente as regras do solfejo e
da harmonia, o blues desafiou durante muito tempo os hábitos da escrita
musical. Todo estudo profundo do blues deve então apoiar-se em raras fontes
escritas, na escuta atenta e comparativa das gravações sonoras desde 1930
Nas décadas de 30 e 40 o blues foi subindo
para o Norte acompanhando a migração negra e infiltrando-se nas big-bands de
jazz. Ele também foi eletrificado quando a guitarra elétrica se popularizou. Em
cidades como Chicago e Detroit, no final dos anos 40 e início dos 50, Muddy
Waters, John Lee Hooker, Howlin´Wolf e Elmore James amplificaram o blues básico
do Delta do Mississipi, estabelecendo a formação das bandas em baixo, bateria,
piano, guitarra e gaita, e obtendo sucesso nacional. Na mesma época, T-Bone
Walker, em Houston, e B.B.King, em Memphis, aperfeiçoavam um estilo de guitarra
solo que usava a suavidade de técnica jazzística em cima do lamento gritante do
canto blueseiro.
Um comentário:
Belíssimo! Blues é um gemido de liberdade. Bjs
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