29 julho 2019

Blues é o lamento dos oprimidos, o grito de independência (01)


Ele deixou de ser um mero gênero musical para se tornar um dos mais importantes patrimônios da humanidade. Não é um estilo musical, é um estado de espírito. Nasceu para dar voz aos escravos dos Estados Unidos. A partir da década de 1860, os spirituals (canções religiosas entoadas pelos negros africanos desde sua chegada à América) sofreram uma mutação. Além de apelar para Deus, os escravos começaram a curar suas dores de amor através da música.

 


Como revela o pesquisador Roberto Muggiati, o blues nasceu com o primeiro escravo negro na América. O negro era uma ferramenta de trabalho. Até nos raros momentos de lazer, quase tudo lhe era interditado. Não podia tocar instrumentos de percussão ou de sopro. Os brancos receavam que pudessem ser usados como um código, incitando à rebelião. Assim, a voz ficou sendo o principal – senão o único – instrumento musical do negro. Era usada nas work-songs, canções em que o feitor cadenciava o trabalho dos escravos, a batida dos martelos ou machados, o levantamento de cargas etc. Estas canções ajudavam a amenizar e racionalizar o trabalho e o tornavam mais rentável.

 


Para o estudioso inglês Paul Oliver, "...o blues é um estado de espírito e a música que dá voz a ele. O blues é o lamento dos oprimidos, o grito de independência, a paixão dos lascivos, a raiva dos frustrados e a gargalhada do fatalista. O blues é a emoção pessoal do indivíduo que encontra na música um veículo para se expressar. Mas é também uma música social: o blues pode ser diversão, pode ser música para dançar e para beber, a música de uma classe dentro de um grupo segregado. O blues pode ser a criação de artistas dentro de uma pequena comunidade étnica, seja no mais profundo Sul rural, seja nos guetos congestionados das cidades industriais. O blues é a canção casual do guitarrista na varanda do quintal, a música do pianista no bar, o sucesso do rhythm and blues tocado na jukebox. É o duelo obsceno de violeiros na feira ambulante, o show no palco de um inferninho nos arredores da cidade, o espetáculo de uma trupe itinerante, o último número de uma estrela dos discos. O blues é todas estas coisas e todas estas pessoas”.

 


O berço do jazz foi no Delta do Mississipi, nas vizinhanças de Nova Orleans. Já o blues teve como berço o delta lamacento do rio Yazoo nas proximidades de Vicksburg, parte sul do Mississipi. O estilo também marcou uma ruptura no formato musical. Fugindo da complexidade do jazz e da rigidez dos eruditos, o blues nasceu como uma música crua. Em sua grande maioria as canções têm apenas três acordes, construídos segundo a famosa escala pentatônica, uma sequência básica de apenas cinco notas musicais. Com essa base harmônica quase simplória, o estilo disseminou-se rapidamente pelo sul dos Estados Unidos. Durante o século XIX, o blues era uma tradição oral passada nos campos de geração para geração.

 


O blues nasceu por volta da segunda metade do século XX, logo depois da Guerra Civil Americana, destilado da música africana que os escravos trouxeram para o Sul dos EUA. Embora a vida que levassem nas lavouras de algodão fosse um inferno, os negros ainda encontravam tempo para cantar suas tristezas (blues) e fazer disso uma arte.



Foi dos cantos de trabalho no campo, das baladas, da música de igreja e dos ritmos das danças africanas que evoluiu uma música da chamada-e-resposta entre o cantor e seu violão, isto é, cada verso cantado era respondido por um fraseado o instrumento. O blues primitivo era irregular e seguia a cadencia da fala, como pode ser observada nas gravações feitas nos aos 20 e 30 por Blind Lemon Jefferson, Robert Johnson e Lightnin´Hopkins. Quando o radio espalhou o blues pelo Sul dos EUA, a música da raça tornou-se mais regular, estabelecendo-se numa fórmula na qual um verso era repetido e respondido sobre uma progressão de acordes em doze compassos. Nascido de uma longa tradição oral e abalando então pesadamente as regras do solfejo e da harmonia, o blues desafiou durante muito tempo os hábitos da escrita musical. Todo estudo profundo do blues deve então apoiar-se em raras fontes escritas, na escuta atenta e comparativa das gravações sonoras desde 1930



Nas décadas de 30 e 40 o blues foi subindo para o Norte acompanhando a migração negra e infiltrando-se nas big-bands de jazz. Ele também foi eletrificado quando a guitarra elétrica se popularizou. Em cidades como Chicago e Detroit, no final dos anos 40 e início dos 50, Muddy Waters, John Lee Hooker, Howlin´Wolf e Elmore James amplificaram o blues básico do Delta do Mississipi, estabelecendo a formação das bandas em baixo, bateria, piano, guitarra e gaita, e obtendo sucesso nacional. Na mesma época, T-Bone Walker, em Houston, e B.B.King, em Memphis, aperfeiçoavam um estilo de guitarra solo que usava a suavidade de técnica jazzística em cima do lamento gritante do canto blueseiro.

Um comentário:

zedejesusbarreto disse...

Belíssimo! Blues é um gemido de liberdade. Bjs