A imagem gráfica foi um dos primeiros e
mais presente elemento para o estabelecimento de diferentes formas de
comunicação e registro narrativo da aventura humana. A pintura rupestre,
presente até os nossos dias, é um exemplo das primeiras narrativas por sucessão
de imagens (MOYA, 1970).
E em outro momento histórico, em que a
comunicação já procedia de uma linguagem falada inteligível e codificada, o
nascimento dos primeiros alfabetos reteve o caráter da imagem gráfica. Até os
nossos dias, algumas culturas vivas preservam estas estruturas primordiais da
escrita em alfabetos ideogramáticos, como é o caso da escrita do idioma chinês.
A aproximação entre a escrita e a fala, contudo, foi essencial para a
apropriação crescente da leitura como atividade cotidiana das populações,
encaminhando sua democratização a constituir-se em um direito e patrimônio da
humanidade.
A difusão das linguagens de matriz visual
verbal continuou na Europa, nos séculos XVII e XVIII, como forma universal de
comunicação impressa, o humor gráfico dá o próximo passo quando um imigrante
italiano radicado no Brasil, Ângelo Agostini, lança a obra As Aventuras de Nhô
Quim em 1869, considerada a primeira história em quadrinhos do mundo por certos
especialistas (RIANI, 2002, p.38). No entanto, para efeito de
internacionalização da linguagem, o primeiro registro mundial fica com Yellow
Kid, história em quadrinhos de autoria de Richard Felton Outcault, lançada em
1895 (MOYA, 2003, p.95).
Consolidando-se como linguagem da mídia na
imprensa norte-americana do século XIX, a história em quadrinhos concentrou-se
em conteúdos humorísticos e esteve inicialmente voltada para o público menos
letrado, abordando com comicidade as mazelas do operariado, dos núcleos
familiares de classe média e baixa, contemplando também a possibilidade do
protagonismo feminino, de minorias sociais e étnicas. A distribuição destas
primeiras HQs, denominadas na época comic strips (chamadas no Brasil de
“tiras”) foram levadas dos EUA para o mundo por meio dos syndicates, que são
até hoje organizações distribuidoras de notícias e material de entretenimento
para jornais do mundo.
Além de difundir o trabalho de seus
artistas gráficos, a distribuição sindicalizada dos quadrinhos norte-americanos
colaborou, juntamente com o cinema, para a internacionalização de diversos
elementos da cultura e formas de produção de bens culturais nesse país. A
ampliação dos parques gráficos norte-americanos, aliado ao aprimoramento da
linguagem das HQs, fez com que estes obtivessem um veículo próprio, uma
publicação periódica chamada comic book (conhecido no Brasil como gibi).
O efeito de despertar o gosto pela leitura
não se perdeu para as histórias em quadrinhos, segundo os especialistas, mesmo
quando outras mídias foram crescidas nas vivências domésticas e comunitárias
das pessoas, como o rádio, a televisão, o cinema e, mais recentemente, as
mídias digitais e o advento da Internet. Uma das características que resgata as
histórias em quadrinhos como componente geracional, ou seja, traço inerente à
geração atual, é determinado pelas propriedades hibridizadas de sua linguagem,
devido aos elementos semânticos de sua matriz visual verbal. Assim, a geração
de jovens que cresceram sob a égide da informática se identifica com a mídia
quadrinhística, sentindo-se atraída também pelas possibilidades que cada leitor
tem de criar suas próprias narrativas por meio desta linguagem.
Em seu estudo sobre culturas híbridas,
Nestor Garcia Canclini abordou dois “gêneros impuros: grafites e quadrinhos”:
“São práticas que desde seu nascimento abandonaram o conceito de coleção patrimonial.
Lugares de intersecção entre o visual e o literário, o culto e o popular,
aproximam o artesanal da produção industrial e da circulação massiva”
(CANCLINI, p. 337)
E mostra a sua aliança inovadora, desde o
final do século XIX, entre a cultura icônica e a literária. Participam da arte
e do jornalismo, são a “literatura” mais lida, o ramo da indústria editorial
que produz maiores lucros: “Poderíamos lembrar que as histórias em quadrinhos,
ao gerar novas ordens e técnicas narrativas, mediante a combinação original de
tempo e imagens em um relato de quadros descontínuos. Contribuíram para mostrar
a potencialidade visual da escrita e o dramatismo que pode ser condensado em
imagens estáticas. Já se analisou como a fascinação de suas técnicas
hibridizadoras levou Bourroughs, Cortazar e outros escritores cultos a empregar
sua síntese de vários gêneros, sua ´linguagem heteróclita´ e a atração que
suscita em públicos de várias classes, em todos os membros da família”
(CANCLINI, p. 339).
Mais adiante Canclini informa: “Se a
história em quadrinhos mistura gêneros artísticos prévios, se consegue que
interajam personagens representativas da parte mais estável do mundo – o
folclore – com figuras literárias e dos meios massivos, se os introduz em
épocas diversas, não faz mais que reproduzir o real, ou, melhor, não faz senão
reproduzir as teatralizações da publicidade que nos convencem a comprar aquilo
de que não precisamos, as ´manifestações´ da religião, as ´procissões´ da
política” (CANCLINI, p. 345).
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