16 novembro 2011

Cultivo de sonhos na essência poética de Sérgio Mattos

O poeta e jornalista Sérgio Mattos domina muito bem as palavras e, com elas, celebra o cotidiano. Essência Poética (poesia de toda a vida), obra publicada pela Gumercindo Rocha Dórea Edições contém os novos livros que produziu ao longo de sua caminhada, sendo oito deles já publicados e o último, Restantes, com poemas inéditos de várias épocas.


Em todas as fases de sua vida a obra apresenta descobertas, vivências e valores: “Embriagado/teu braço/ao mar tocava//Em princípio melancólico/encrespava as ondas do mar/enquanto secas folhas dançavam//Sumiram os pássaros/e o sol também/- a cidade emudeceu -/Comovido,/o vento começou a soluçar...”

“Desejei ser um fóssil/da criação/chorei larvas/e comi carvão./Foi tudo ilusão...”


“Raio/quente./Chuva/fria, Trovão/no coração/da amada./O/raio/regou/regaço/da/amada./O raio/ partiu/pariu/pereceu/de saudades/numa noite/de trovoada....”


Os versos líricos, inquietos, febris, espontâneos apresentam imagens surpreendentes. Como um vigia do tempo, Sérgio apresenta versos carregados de experiência, de sentimentos:


“A infância passa/a saudade fica/a infância passa/não volta..../a saudade chega,/não passa...”


“Fato/vida/preço/-a notícia -/nota://Cheia/feia ou/colorida/- técnica - //Noticia Técnica/ fome-cheia/vida-morta:/é manchete,/veja a nota...”


“Senti o poema/somar os sentimentos/mas não o escrevi:/era perfeito demais para existir...”


“E eis que, pela vidraça,/sem nenhum disfarce,/eu a vi, cheia de graça”


“Domingo/colhi flores/e libertei poemas/ao correr entre balanços,/gangorras e crianças”.


“Sotaque aberto/cheio de dengo/e aconchego/é como sinto o falar da baiana,/minha soteropolitana, mulher sedutora,/que me encanta, por ser reveladora,/com seu sorriso/largo, dos segredos,/da alegria, da dor,/dos mitos e medos:da cidade de São Salvador”.


E o poeta recorda a infância, idade sensível de sonhos carregados de fantasias no mundo de descobertas, e o porta estandarte vira poesia das belezas e tristezas da vida. Sereno, Sérgio vai libertando as palavras que aos poucos vai se espalhando por todos os cantos, recantos, encantos do nosso ser. E o que dizer de seus versos, sempre entreabertos, de cores, sabores, sensações. Essência, raiz, matriz, tudo por um triz. Sérgio corre risco, se joga no abismo com toda carga de emoção. E a criação? Esse bate em compasso, passo a passo com a razão. Adulto vira menino, criança com esperança, tudo misturado no sentimento de emoção:

“No ano, a cada estação/as plantas ensinam/ao homem a renovação”.


“O poema/é arte nata,/artesanato//O poema/é arte,de fato./artefato//a poesia/ é meu estandarte./Minha arma, minha arte./Passo a passo, a faço,/procurando ocupar espaços,/registrando o dia a dia,/sem dogmatismo ou maneirismo,/sem máscara ou palhaços./Meus versos/são lançados,/visando a todos atingir,/como se fossem estilhaços/cheios de verdade e emoção”.


“Que os poetas/façam em Revolução da Canção,/que usem as flores, as palavras/e os poemas como armas/da libertação./Que os poetas cantem/o amor, a liberdade/e usem a verdade/como estandarte/na luta contra a alienação'.


“Neste mundo,/as medidas fazem os meios/para os fins serem alcançados./Cada homem tem uma missão/e nos fins,/cada poeta busca/o princípio invisível do existir”.


Sérgio tem essa prática do domínio das palavras sem subterfúgio, sem máscara. Transparente, consciente, presente. Talvez pela sua grande experiência no jornalismo, ele trouxe essa vivência da prosa na poesia, ou vice versa. Mas a liberdade de suas palavras, algumas vezes em hai-cai, outras em trilhos definidos, precisos.


“O poeta é o estilista/que veste as palavras;com sentimentos coloridos./O poeta é o artista/que cobre as palavras/com sensualidade./furacão./Com a irreverência da imaginação,/o poeta consegue criar/do alfabeto, com ou sem afeto,/até lágrimas sintéticas./Lágrimas doces que mudam de cor/a depender da dor ou do amor....”


“É vento, é venta...é ventania,/chegando cheia de valentia,/Sinhá, este vento corre mundo,/atravessa mares, varre florestas,/agita desertos, poliniza flores/e levanta poeira./Sinhá, este vento ronca,/assobia, geme e ainda dá surra/de areia fina/nas pernas da menina./Sinhá, que nome tem este vento,/que venta, canta e encanta/em todas as pontas da rosa dos ventos;/Muitos nomes tem o vento,/seja quente ou refrescante,/ele acaba envolvendo a gente./Sinhá, este vento é traquina./Levanta a saia da menina,/rodopia que nem pião/e, quando zangado, vira furacão./Sinhá, este vento é indiscreto./Pouco importa se é vento de inverno/ou vento fresco do mar,/pelas frestas, em qualquer lugar,/ele penetra, fazendo até parede falar,/conduzindo vozes,/provoca um verdadeiro inferno./Siná, o vento na gente prega peça/quando nas madrugadas, passando com pressa,/faz bater janela, porta e portão/e no rastro ainda arrasta latas/nos deixando aquela sensação/arrepiante de assombração”.


E desta forma, Sérgio Mattos comemora 45 anos de poesia. Poesia de toda a vida. Essência poética é uma obra de fôlego, reunindo mais de 360 poemas, além de comentários de Raul Sá, Antonio Loureiro de Souza, Adroaldo Ribeiro Costa, Walter Siqueira, Adalberón Cavalcante Lins, Nonato Marques, Jorge Amado, Ênio Silveira, Cid Seixas, Gustavo Falcon, Helio Polvora, Germano Machado, Gerana Damulakis, Telmo Padilha, Jolivaldo Freitas, entre outros. São 323 páginas de reflexão poética.


“Escrevi em balões poemas/cheios de verdade/e os soltei nas curvas do espaço/para que fossem vistos./-A verdade voava pelo mundo...mas,/tiraram de mim as verdades./- Minhas mãos perderam as forças./Meu grito não repercutiu,/e o eco, dele se esqueceu -/(já não existem balões no espaço).


Como diz um de seus poemas, “ser poeta é ser intermediário, fonte e destinatário”. Assim é Sérgio Mattos, poeta que sabe transformar “o particular em linguagem universal”. Depois dessa leitura, encerro com esses versos para Sérgio:


“É preciso prestar atenção aos sonhos, antes que adormeçam/cultivar a esperança, antes que apodreça/viver a vida, antes que padeça/amar com o coração, para que sonhos floresçam” (Guto)


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De volta


Nesses 30 dias de minhas férias houve instabilidade no clima de Salvador (chuvas acima do normal para a época), instabilidade na economia europeia (Itália, Grecia...), na política brasileira (ministros afastados por corrupção) e no meu viver. Afinal, de férias, estava lendo alguns livros instigantes (História do Riso e do Escárnio, de Georges Minois-Unesp, Imprensa, Humor e Caricatura (a questão dos estereótipos culturais, entre outros), de Isabel Lustosa-UFMG, além de álbums em quadrinhos, livros de poesia), ouvindo a Rádio Educadora, as músicas essenciais (Bubuia-Ceu, Zé do Caroço-Mariana Aydar, Sentinela-Milton Nascimento, Efêmera-Tulipa Ruiz, Pise Fundo-Luiz Rocha, Cedotardar-Thaís Gulin, Life Gods-Gilberto Gil com Marisa Monte, Há Mulheres-Rita Ribeiro, Candombless-Carlinhos Brown, Sobre Todas as Coisas-Zizi Possi, Rosa Fuba-Pirigulino Babilake, Extravaganza-Silvia Machete, Pirata-Maria Bethania, a apaixonante Toque Dela-Marcelo Camelo...quer mais/ Agora é respirar fundo e seguir o cotidiano.

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