18 janeiro 2020

Correio da Bahia: um quarentão amadurecido


Para comemorar quatro décadas, o jornal Correio lançou no dia 15 de janeiro no  Marina Summer House o livro CORREIO - 40 Anos de Inovação. Escrito pelo jornalista Nelson Cadena, a obra de 40 capítulos conta os principais momentos vividos pelo jornal criado em 1979. O Correio foi o quinto jornal diário a circular na Bahia. Os outros eram Diário de Notícias, A Tarde, Jornal da Bahia e Tribuna da Bahia. Além dos jornais diários, a cidade contava com três sucursais que produziram notícias diárias para leitores do resto do país: Jornal do Brasil, O Globo e O Estado de S.Paulo.



A descoberta na Bahia da maior mina de ouro do Brasil foi a manchete do número de estreia.. Desde que surgiu, há 40 anos, o Correio da Bahia fez questão de chamar atenção para a forte ligação do jornal com a cultura local. Os dizeres, saberes e figuras que circulam pela cidade da Bahia eram destaques no Caderno de Cultura. Fui contratado para trabalhar no Correio da Bahia no dia 01 de novembro de 1978 e fiquei até 30 de junho de 1987 (como consta na carteira de trabalho) no cargo de Editor do Caderno de Cultura.




Minha equipe era formada por jovens jornalistas como Shirley Pinheiro, Osmar Martins, Luís Claudio Garrido e Vera Gondim. Esta última indicada pela família de ACM. Mais tarde integrou a equipe Rogerio Menezes e Clodoaldo Lobo (Lobo antes era repórter do Caderno Cidade). Uma das coisas que mais me impressionava no trabalho de Clodoaldo Lobo é que muitas vezes, ele entrevistava o artista, anotava poucas linhas e quando chegava na redação transcrevia na integra tudo o que foi analisado na entrevista. E sempre teve (e tem) uma postura ética na profissão. Admirável!




A língua adequada do soteropolitano, os assuntos de interesses dos baianos, a quebra da invisibilidade de uma certa parte da cultura baiana (os demais jornais só focavam em artistas de grande sucesso), o mapeamento da cultura suburbana, tudo isso ajudou a alavancar a credibilidade do Caderno de Cultura que alcançou altos picos na primeira década de existência do jornal.



Ana Lúcia Magalhães entrou para escrever a coluna Gente do início até 1986. Diferente das outras colunas sociais, Ana atualizava o cotidiano e a cultura da sociedade baiana. Muitas vezes ela acompanhava a gente nos bastidores da noticia (show no TCA para ir ao camarim dos cantores ou atores etc), passávamos muitas informações de primeira. E ela era uma pessoa muito simples e direta. No Circo Troca de Segredos, um dos grandes momentos da cultura alternativa da Bahia, ela frequentava com a gente os espetáculos.




Vale registrar que depois que saí do Correio, já nos anos 2000 a 2007 nas edições de domingo, o jornal começou a publicar o Correio Reporter, com grandes histórias da cultura local: museus, cinemas antigos, teatros, grandes atores, atrizes, escritores, bailarinos etc, além de dar grande ênfase nas questões de identidade negra e racial.



O Caderno de Cultura foi também o primeiro na cidade a publicar matérias de comportamento. Ou seja, pessoas simples mas que tinham uma marca forte na localidade como o vendedor de picolé da praia da Barra que era muito conhecido pela sua forma peculiar de vender o produto, cantando versos, ou mesmo uma senhora que morava nos Barris e tinha uma coleção valioso de bonecas (mais de 600). Como não conseguia ter filhos, essas bonecas eram tratadas como filha. A matéria teve boa repercussão e até virou capa de um dos LPs do grupo Chiclete com Banana. Também matéria das garotas de faziam toples na praia da Boca do Rio, os cantores iniciantes do subúrbio, as peças de teatro alternativos e toda voz que era invisível, mas tinha força na comunidade teve espaço no jornal.



Na época o editor do caderno não poderia assinar as matérias, mesmo que escrevesse. Então, além de publicar matérias especiais (como comemorar 30 ou 40 anos de algum personagem de HQ, Pasquim, etc), escrevia colunas de literatura, música e quadrinhos. Em 1980 publiquei a coluna diária, “Cronologia das HQs”. É bom lembrar que na época o CBa foi o primeiro do Nordeste a registrar fatos cronológicos dos quadrinhos no Brasil, EUA e Europa desde o século XVIII até o século XX.   



Na época do Carnaval conseguir publicar trechos de músicas carnavalescas que mais fizeram sucesso. “Cante conosco os anos de folia” registrou de 1852: “E viva o Zé Pereira” até 1984: “Eu quero um banho de cheiro na Bahia”. Sucesso que resolvi décadas depois registrar no meu  blog: http://blogdogutemberg.blogspot.com/2007/02/cante-conosco-os-anos-de-folia-1.html



Além disso, todas as segundas tínhamos uma página inteira para mostrar o que iria acontecer na semana na área cultural da cidade (cinema, teatro, música, literatura, artes plásticas etc) e na sexta outras páginas para os acontecimentos do fim de semana. Eram edições que tinham vendagem certa. O público leitor se acostumou a ter todos os momentos culturais da localidade naqueles dois dias da semana. Fazíamos também grandes debates com os artistas para discutir entraves, saídas, soluções e alternativas da cultura no Estado. Na época tinha todos os contatos com agencias cinematográficas, empresários, programadores, artistas plásticos, músicos, atores e atrizes, cineastas etc. Isso facilitava muito o desenvolvimento das pautas culturais que tinha que produzir com editor do caderno.



A imprensa baiana sempre deu espaço para a cultura, importante segmento que interessa ao público leitor. Mas só a partir da década de 80 com o surgimento do Correio da Bahia que a cultura local teve mais visibilidade. Já que as ações de cultura não são noticiadas na condição de agentes transformadores da condição de indivíduos, esta nossa sociedade em sentido mais amplo por sua vez não tem conhecimento de que elas existem. Apenas os indivíduos que são beneficiados diretamente têm a condição de percebê-las, pois, a imprensa convencional ainda é a fala autorizada comum e principal fonte de informações para o conjunto da maioria das pessoas.




A imprensa, por se tratar de um produto do mundo moderno e por fazer parte de um sistema complexo de mercado, a transformação social através da cultura pode lhe passar despercebida ou desinteressante. A imprensa baiana sempre deu destaque aos grandes artistas, mas o que dizer da nova geração que surgia naquela época cuja efervescência era o axe music, o teatro alternativo e debochado, o cinema free, as artes plásticas que revolucionavam com nomes como Cesar Romero, Justino Marinho e tantos outros, a literatura marginal, a poesia rebelde dos novos e dos poetas da praça, as artes gráficas que ressurgia com força com a presença de um clube de quadrinhos que reforçava os artistas baianos, os grafites, e toda uma arte transformadora. Começando a perder o medo de ser negra, a Bahia atravessou a década no passo do Ilê Ayê e do Olodum, que ocuparam as ruas num rito de contagiante liberdade.



Vale destacar que Setúbal foi o principal chargista do jornal. Um equívoco de Cadena: o nome completo de Setúbal é Paulo Henrique Setúbal (e não Paulo Roberto). Na reforma editorial o Correio deixou de publicar a charge diária (1990), e a partir de 1992 passou a contar apenas com ilustradores: Carlos Simas, Caó, Rezende e Daniel. Na década seguinte, Franklin Mendes, Juha Vasku, Flávio Luiz e Wilton Bernardo.


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