No dia
04 de janeiro de 1988 – há 25 anos - morria o cartunista Henfil
(1944-1988). Ele teve uma atuação marcante nos movimentos políticos
e sociais do país, lutando contra a ditadura, pela democratização
do país, pela anistia aos presos políticos e pelas Diretas Já. Com
humor mordaz e desenho caligráfico, Henfil destaca-se como um dos
militantes mais ativos na resistência ao regime militar. De suas
mãos saem personagens antológicos como os fradinhos Baixim e
Cumprido, a ave Graúna, o bode Orellana, Capitão Zeferino e Ubaldo,
o paranoico, que provocam mudanças na história dos quadrinhos
brasileiros não tanto pela inovação formal - apesar de ser
marcante o seu traço nervoso e espontâneo -, mas pelo uso dessa
linguagem gráfica específica como o melhor suporte para crítica e
comprometimento social.

Henfil: o
Humor Subversivo é o título do livro de Márcio Malta, formado em
Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF),
doutorando em Ciência Política (PGCP/UFF) e cartunista
profissional, assinando seus desenhos com o pseudônimo de Nico. A
obra aborda a contribuição política do cartunista Henfil, percorre
seu trabalho artístico e a luta contra os desmandos do regime
militar. Publicado pela editora Expressão Popular, o livro faz parte
da coleção Viva o Povo Brasileiro, que visa resgatar a memória de
personalidades que lutaram para transformar o Brasil.
“Em seu
campo de atuação profissional, Henfil foi ímpar. Dono de um traço
leve, ágil e despojado de preocupações estéticas, acadêmicas e
tradicionais, seu estilo se caracterizava pela síntese. Seu estilo
era tão pessoal, que é impossível imitá-lo. Em certa feita,
Jaguar comparou Henfil com Garrincha, ou seja, único” (p.37). “Por
meio de seu traço limpo e ágil, conseguia dar vazão a tudo aquilo
que não poderia ser verbalizado nos tempos sombrios da ditadura”
(p. 39)
“Nas
histórias em quadrinhos de Henfil pode-se afirmar que o ciclo não
se encerra no momento da reflexão do receptor. O humorista compunha
uma espécie de parceria com o leitor. Os personagens chegam a
dialogar com o público, estimulando a tomada de consciência.
Charges como as que figuram os quadrinhos eram recortadas e
mostradas, contadas e recontadas, construídas e reconstruídas no
imaginário popular, conscientizando e dando asas as formas de
resistência. Exemplo clássico da interação com o público é o
quadrinho em que o trio de personagem da caatinga tenta localizar a
esperança olhando para os lados. A proposta por si já é
fantástica, se constituindo como um convite para a imaginação,
posta que o sentimento não é algo visível” (p. 40/41)
A lista
de criações de Henfil constam a feminista Zilda-Lib, a onça
Glorinha, anarquista, líder do comando de Libertação do Quadrinho
Nacional. A missão da Onça Glorinha era caçar o “agente
imperialista” Mickey. Certa vez ela comeu a Graúna, achando se
tratar do camundongo de Walt Disney. Henfil admite que fez uma
provocação ao tipo de intervenção que grupos da luta armada
faziam. A importância conferida por Henfil ao elemento feminino das
personagens, como a onça Glorinha e a Graúna, que se comportam como
as mais valentes e combativas. Era essa a percepção que Henfil
detinha do poder feminino. Trabalhando com a reversão de
expectativas fazia ainda o riso rolar solto.
Henfil
criou outros personagens. Continuava apontando as desgraças do homem
médio brasileiro, mas de maneira mais simples. Havia fome, falta de
liberdades civis, desemprego, e injustiças sociais, e era preciso
denunciar isso. Graúna, Zeferino, Bode Orelana, Ubaldo, Orelhão,
cada tipo sublinhava, com humor amargo, aquilo que se lia nos jornais
e se via nas ruas. Era um trabalho mais direto, mas nenhum personagem
mostrava as vísceras do povo como o Fradim. O personagem mostrou de
maneira completa os horrores da condição humana e, ao que se sabe,
o país de Sarney (presidente na época) tem quase nenhuma diferença
daquele governado por militares.

A obra do
cineasta baiano Glauber Rocha foi um dos fatores que influenciou a
criação de Henfil. Desde a realização de cenários que
assimilavam a técnica do Cinema Novo e suas tomadas; assim como a
influência na escolha de temas ao criar seus personagens. Em
paralelo ao cinema novo, outra grande influência de Henfil ao
rabiscar a caatinga foi o livro “Os Sertões”, de Euclides da
Cunha. A inspiração veio a partir do momento em que ganhou o livro
de Betinho. O cartunista soube traduzir para os quadrinhos duas
contribuições essenciais para compreender o Brasil.
Henfil
foi um homem de denúncias. Foi ele quem calibrou a expressão
Diretas Já e sofreu depois por ser contra o Colégio Eleitoral e,
consequentemente, contra o governo de Tancredo Neves e seu vice,
eleitos indiretamente. Um guerrilheiro do cartum, assim Henfil foi
definido pelo cartunista Miguel Paiva. “A produção de Henfil, em
sua quase totalidade (conta Nico em seu Henfil, o humor subversivo),
foi pautada em termos críticos. Adotou o lápis como arma para
denunciar e questionar tradições e comportamentos sociais. Tocava
em pontos-chave, desenvolvendo um inconformismo contagiante. Valores,
que até então eram vistos como naturais, eram espezinhados na mão
do cartunista”. Segundo o caricaturista Cássio Loredano: “Henfil
tirou de debaixo do tapete o que para lá tinham varrido zelosamente
a nossa História inteira”.
As tiras,
o texto e os cartuns de Henfil, significaram, em quase todo o período
militar, um sopro de esperança. Em 1970, com a ida de grande parte
dos militantes para a guerrilha, Henfil criou o Zeferino. Sua
intenção era chamar as pessoas a enfrentar a ditadura. “Quem era
ele? Um cangaceiro... Você tem de ser o cangaceiro! Tem de se
transformar no cangaceiro!”, explicou Henfil em entrevista ao
jornalista e amigo Tárik de Souza. A história se passava no sertão,
usando a fome e a seca para se contrapor à propaganda do “milagre
econômico” e dialogar com a classe média do “Sul Maravilha”.
Zeferino foi criado como personagem principal. Discutia com o bode
Francisco Orelana (uma crítica ao intelectual de esquerda, que
``comia” livros e pouco agia), e formava um casal com a Graúna.
Esta ganhou vida própria (como a maioria de seus personagens) e
tornou-se a protagonista. Hemofílico, acabou numa das muitas
transfusões de sangue contaminado pelo vírus HIV. Henfil estava com
Aids quando pouco se sabia dessa doença; Morreu em 1988, debilitado
mentalmente. Henfil é sempre atual. E profundo em seu humor
cáustico.
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