14 fevereiro 2011

“A palavra é o meu domínio sobre o mundo”

Palavras são como ferramentas que podem ser usadas para diversas finalidades. O filósofo Diderot (1713-1784) dizia que quase nada se retinha sem o auxílio das palavras, mas que ainda assim elas nunca bastavam para transmitir o que sentimos. Para o filósofo Kant (1724-1804), as palavras nunca poderiam lesar alguém – bastava não acreditar nelas. Outro filósofo, Nietzsche (1844-1900) chamava a atenção para o fato de que aquele que se sabe profundo esforça-se para ser claro, enquanto aquele que gostaria de “parecer” profundo esforça-se para ser obscuro.


A linguagem nos constitui, é a teia de nossos pensamentos, de nossa imaginação, de nossa vida social. Mas há menos palavras do que coisas a serem ditas e sentimentos a serem expressos. Falar é uma arte, e a língua tanto pode ser uma ferramenta para erguer mundos quanto uma arma letal. É por isso que, para o filósofo grego Plutarco (46 a 126 d.C.), ainda mais importante do que falar é saber calar.


Plutarco preocupava-se com a justa medida no ato de falar, mostrando a necessidade de evitar os exageros. Padre Antônio Vieira (1608-1697), considerado por todos os críticos o maior orador religioso do século XVII, português de nascimento, mas de alma brasileira, ou melhor, baiana. Esse jesuíta incomum, dotado de uma poderosa oratória, fez a cabeça dos seus contemporâneos. Misto de evangelizador e moralizador, nenhuma área do comportamento humano estava a salvo de suas investidas.


“O pecado original é o momento de nascimento da palavra humana”, disse o pensador Walter Benjamin (1892-1940). As palavras tornam-se agora simples signos. Adolfo Hitler (1889-1945) seduziu um povo culto, embora desesperado, usando técnicas que ele mesmo admitiu ter copiado (e primorado) da Igreja Católica. Certa vez, a escritora Clarice Lispector (1920-1977) escreveu: “A palavra é o meu domínio sobre o mundo”. Para o estadista britânico Sir Winston Churchill (1874-1965) as palavras antigas são as melhores as breves, as melhores de todas. “Lutar com palavras é a luta mais vã. Entanto lutamos, mal rompe o amanhã” escreveu o poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987).


A palavra (ponte entre o eu e o outro) está carregada de sentidos construídos na experiência. O mundo nos é apresentado através da palavra. A palavra dá significado, porque ela o contém. Sem significado a palavra é um som vazio, não faz parte da fala humana. O significado é, ao mesmo tempo, um ato de pensamento e parte inalienável da palavra, pertencendo tanto ao domínio da fala quanto do pensamento. A palavra tem sempre um sentido ideológico ou vivencial, se relaciona totalmente com o contexto e carrega um conjunto de significados que socialmente foram dados a ele. Uma palavra assume diferentes significados ao longo da história e depende diretamente do contexto em que é enunciado e dos sentidos dados pelo sujeito. O sentido mais antigo da palavra “pecar” era “tropeçar”, o discurso religioso só viria bem mais tarde, onde o pecado se tornou um defeito para a alma.


A palavra permeia todas as relações. Podem ser bonitas, neutros ou feias, de acordo com a percepção de cada um. Tem gente que gosta da palavra lasciva, outros preferem assanhada. É bom lembrar que palavras feias não são necessariamente os chamados palavrões. E as palavras têm vida, portanto, nascem, vivem, algumas morrem, ficam congeladas ou se transfiguram. Outras pulsam, sentem, tem manias, poder e são portais por onde entramos em outras dimensões. Falar sobre gibis, algodão doce, pipoca para mim é voltar à infância.


Tem políticos que ganham a eleição com promessas em palavras, belo discurso. Os antigos trovadores medievais eram os sedutores da palavra. Ter a maestria de escolher e rimar palavras e frases para exaltar ou maldizer era uma arte refinada que unia nobres e plebeus nas chamadas cantigas de maldizer ou cantigas de amor. Palavras, som, dom, é preciso saber usar, dançar com elas e nunca por elas se deixar levar. Quem tem frase de vidro, como diz Gullar, não paga crase na frase do vizinho. “Há palavras que fazem bater mais depressa o coração” (A.Negreiros). Pesco o vento palavras soltas no ar, olho pra dentro e não consigo escutar. As palavras são perigosas pontes entre o sentimento e a ação, às vezes tem a leveza de uma pluma, outras a força de um leão.


O significado das palavras está relacionado com a contribuição que elas dão ao sentido de frases ou enunciados. Usamos as palavras principalmente para falar e escrever, e não apenas como rótulos. “A palavra/é arma preparada/ na solidão/ dos suicidas,/ é armadilha abandonada/ na confissão dos sentidos./ A palavra/ é ofi (cio) aprendido/ no exercício da paixão”. É o poema Oficio da Paixão do baiano Damário Dacruz (1953-2010). “Com as palavras se podem multiplicar os silêncios”, escreveu o poeta Manoel de Barros. Em depoimento ao crítico musical Zuza Homem de Mello em 1968, Geraldo Vandré afirmou: “Uma canção popular, a música deve ser uma funcionária despudorada do texto”. Na entrevista coletiva em São Paulo (abril de 2008), o cantor francês Charles Aznavour declarou ser um letrista, um escritor que veste as canções com palavras.


O Prêmio Nobel da Paz de 2007, hoje um guru ambientalista, documentarista (Uma Verdade Inconveniente) e profeta secular Al Gore disse em 2008: “As imagens atraem o cérebro humano desde que nossa espécie surgiu. É possível que algum dia a era das palavras seja vista como um parenteses”. Para quem não sabe, no fim dos anos 70, quando era um jovem congressista do Tennessee, Gore popularizou o termo “superinfovia”, prevendo as aplicações civis da internet, até então uma rede de supercomputadores militares. Como candidato à Vice Presidência na Chapa de Bill Clinton, na campanha de 1992, ele proclamava que era na web que o futuro dos EUA seria traçado. Ele estava certo.


------------------------------------
Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho, 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929.

Nenhum comentário: