20 fevereiro 2008

A Medicina aliou-se à Igreja (2)

O sexo era a prova conclusiva da diferença “para menos”. O modelo dos dois sexos, a partir daí, se torna hegemônico. Mulheres e homens passaram a ser comparados pelo padrão da descontinuidade/oposição e não de continuidade/hierarquia, como na metafísica neoplatônica. O “sexo” deixou de ser sinônimo de aparelho genito-urinário e reprodutor e veio a substituir seu similar neoplatônico, a “perfeição metafísica do corpo”. Em vez do “corpo perfeito e do calor vital únicos”, a abstração do “sexo” dividido, originalmente, em dois, cada um com propriedades “naturais” específicos.

As propriedades foram, principalmente, definidas por suas relações com os comportamentos morais. Homens e mulheres deviam ter um tipo de prazer sensual, de conduta social e de vida emocional adequados à natureza biológica de “seus sexos”. Do contrário, não seriam exemplares normais da espécie, e sim indivíduos desviantes, anormais, doentios ou degenerados. Os sujeitos, até então avaliados moralmente por seus atos, pensamentos e sentimentos religiosos ou pelos valores de hierarquia aristocrática, passam a ser julgados pela conformidade à finalidade sexual de suas supostas “natureza biológicas”. Na anatomia estava o destino psicológico-moral dos viciosos e virtuosos.

A proliferação de discursos sobre o sexo no Ocidente, acelerada a partir do século XVIII, foi incitada pelas próprias instâncias do poder – como a pastoral católica e o sacramento da confissão, por exemplo – com a finalidade de estabelecer controles caracterizados pela repressão ao prazer. No século XIX, o discurso médico científico, ainda não totalmente liberto da repugnância quanto a tais assuntos, passou a dissecar a sexualidade humana em todos os seus aspectos. O saber legitimados com o qual os médicos (principalmente) passaram a ser investidos com relação a questões sexuais, ainda que fruto de processos anteriores, teve no XIX uma força e virulência que impressionam o observador do século XX, dados os extremos de crueldade atingidos – a par de toda uma tradição de normatização do sexo pela violência.

Declarando perversas todas as práticas e expressões do impulso sexual que não atendesse à única finalidade “natural” da procriação, lidando com categorias de perversão e perversidade – como Krafft-Ebing – combatendo a masturbação – como Havelock Ellis e cortes de outros colegas seus -, médicos e estudiosos da sexualidade esforçaram-se por nomear, controlar e higienizar a sexualidade, freqüentemente em nome de um ideal nacional, segundo o qual o “desvio” sexual não só prejudicava o indivíduo, mas também fazia com que se debilitasse a nação. É por isso que a emergente sexologia de Krafft-Ebing tinha como objetivo primordial estudar os comportamentos sexuais desviantes, e não a norma, pois, entendidos dessa forma, os atos sexuais eram trazidos para a esfera pública.

Havia um consenso médico, de forma alguma absoluta, mas ainda assim predominante, que via no apetite sexual feminino um sintoma de distúrbio ou doença mental. No Brasil o discurso médico aliado de uma classe industrial tentava apropriar-se da infância e da mulher para controlar e impedir “desvios” morais, programando que o espaço da criança era a escola e o da mulher, o lar.

Quando a esquadra comandada por Pedro Álvares Cabral aportou na aprazível Porto Seguro no dia 22 de abril de 1500, viviam nestas terras cerca de cinco milhões de nativos. A primeira reação dos portugueses foi de encantamento. Pero Vaz de Caminha não escondeu seu fascínio pelos habitantes da terra. Descrevendo-lhes a aparência, volta repetidas vezes à mais surpreendente característica que apresentavam – sua nudez – e à combinação de beleza e inocência que os distinguiam de seus semelhantes europeus.
O escrivão não tirava os olhos das índias, que andavam nuas, sem nada que lhes cobrissem “as vergonhas”, como ele se referia ao sexo. Nus, alegres, desligados dos bens materiais, os índios (a palavra “índio” foi criada por um engano dos exploradores, que acreditavam ter desembarcado na Índia) eram um mistério intrigante para os portugueses quinhentistas, mal saídos da Idade Média.

2 comentários:

Poizentão disse...

Caro Gutemberg, seu blog é muito legal. Parabéns pelo trabalho. A sua biografia me fez imaginar que o sr. conhece o seu Hamilton Correia, colecionador de cartazes. Acabei parando aqui no seu blog fazendo uma pesquisa em virtude da coleção que Hamilton tem de cartazes de seriados cinematográficos.
Saudações,
Lígia Benevides, 23, Bsb-DF

Gutemberg disse...

Lígia, realmente conheci o Hamilton Correia, um apaixonado pelo cinema. Há muito tempo escrevi uma reportagem sobre os seriados e tempo depois publiquei no blog. Você pode conferir. Cinema é uma arte fascinante. Se você gosta, aproveite e leia o blog Museu do Cinema (o nome é classudo, masa o texto é suave), vale conferir.
Guto