07 fevereiro 2008

Belo e emocionante Persépolis

Persépolis é uma história em quadrinhos tocante. Retrata a chegada de um regime tirano do ponto de vista de uma menina, a iraniana Marjane Satrapi, quando jovem. Narra o fato do lado de dentro, valorizando o drama humano de quem viveu injustiças, perdeu os direitos humanos básicos e pôs em dúvida todos os valores. Ela era apenas uma criança quando a revolução islâmica derrubou o xá do Irã, em 1979. Bisneta do antigo rei da Pérsia, Marjane cresceu em uma família de esquerda, moderna e ocidentalizada, e estudou numa escola francesa e laica. Com a chegada dos extremistas ao poder, as meninas foram obrigadas a usar o véu na escola e estudar em classes separadas dos meninos.

A trama (lançada inicialmente no Brasil em quatro volumes e\depois em uma única edição de 352 páginas pela Cia das Letras) se desenvolve com tanta graça, inteligência e charme que o leitor esquece dos aspectos extraordinários de sua execução. E Marjane cresce em uma família de intelectuais que sofrem primeiro sob a ditadura, depois, sob a vitória dos revolucionários islâmicos. Essa história política, que inclui guerra, tortura e assassinato, é passada nos quadrinhos com inteligência.

Conta a força da intolerância e da superstição, onde a menina segue os passos da sua avó e assume uma postura combativa. Para ela, a liberdade é um direito, por isso, desafia o mundo. Temendo por sua segurança durante o período de guerra e repressão, os pais de Marjane a mandam para a Áustria, e a alienação que ela experimenta lá é o contraponto da ansiedade vivida em Teerã. Lá na Áustria, ela se perde nos prazeres do punk rock e da cultura alternativa, mas se decepciona quando encara o niilismo europeu. Mas é em Viena que seu problema se torna claro, um dilema que não é só seu. Ou ela vive longe de casa com um pouco de liberdade, ou volta para casa mas deve abrir mão de sua individualidade.

Há momentos terríveis como o da mãe de Marjore que saíra sozinha de carro e, quando o automóvel quebrou, foi interpelada por vários homens que ameaçara violentá-la por ela não estar usando o véu (burka). Os especialistas na televisão afirmavam que os cabelos das mulheres emitiam energias que excitavam os homens, de forma que eles não eram responsáveis caso decidissem executar o estupro. Assim as mulheres que passaram a usar burka, mesmo forçada, eram chamadas de guardiãs da revolução, e muitas vigiavam as mulheres que usavam incorretamente o véu, ou que se vestiam com roupas consideradas inapropriadas. E o clima de terror piorava a cada dia. Quando começou a faltar adultos na guerra (onde morreram um milhão de soldados iranianos), o exército passou a recrutar crianças de 14 anos. Nas escolas eles davam aos meninos chaves de plástico, com as quais poderiam abrir as portas do paraíso, cheio de mulheres e comida, caso morressem na guerra. Um relato comovente de como o fanatismo religioso é nocivo e irracional.

Persépolis, para quem não sabe, foi uma antiga capital do Império Persa. A partir de 522 antes de Cristo foi a capital do Império Aqueménida, que na Antiguidade dominou a região do Oriente Médio. Acidade de Persépolis localizava-se no atual Irã, e foi a capital religiosa dos Aqueménida. Em 1931 foram encontradas ruínas de um enorme palácio. Devido a esta descoberta Persépolis passou a ser um importante sítio arqueológico do Império Persa (destruída pelo Exército de\Alexandre, o Grande, durante o extermínio do império persa). Persépolis foi declarada Patrimônio da Humanidade pela Unesco em 1979.

A literatura gráfico visual de Satrapi é de uma simplicidade poética comovente. O traço em preto-e-branco lembra a xilogravura dos cordéis nordestinos com grossas linhas negras. A obra ganhou o importante prêmio do salão de Angoulême, na França, e em 2004 recebeu o prêmio de melhor HQ da Feira de Frankfurt. A série teve os direitos de publicação vendidos para vários países. Depois dos quadrinhos, a obra de Marjane Satrapi chega aos cinemas. Premiada em Cannes, Vancouver, Filipinas, Inglaterra e na Mostra de São Paulo, sua estréia no Brasil vai ser agora em fevereiro. E ainda concorre ao Oscar de melhor filme de animação.

Vale a pena conferir a obra em quadrinhos e no cinema. A história sobre a valorização da família, a busca da identidade própria e a necessidade de buscar uma vida melhor em outro país é realmente emocionante. E o encantamento e ousadia da resistência artística aos poderosos e opressores que insistem que o mundo só pode ser visto em preto e branco foi admirado em diversos países. Belo trabalho.

Um comentário:

jorginho da hora disse...

Gutembergue, vejo que vc continua dando a maior força aos quadrinhos. Muito obrigado. Sou cartunista e tenho um blog de humor grafico: BOSTAMCITY.BLOGSPOT.COM
Quado vc puder, dá uma olhadinha.