03 dezembro 2019

Sesquicentenário dos quadrinhos brasileiros (06)


ANOS 50



A moral do brasileiro andava baixa no início dos anos 50. O futebol verde amarelo amargava as derrotas das copas de 50 e 54, Martha Rocha perdia o título mundial de beleza por apenas duas polegadas, o suicídio do presidente Getúlio Vargas e as tentativas de golpe de estado previam que o país estava fadado ao fracasso. Em 1956, Juscelino Kubitscheck se elege Presidente e injeta diretamente na veia do povo uma dose cavalar de otimismo e esperança.



O Brasil entra de cabeça na era industrial. O progresso chega ao interior com a construção de Brasília, a indústria brasileira deslancha e tudo leva a crer que o País seria uma das potências mundiais no final do século.



O nacionalismo se refletiu no Teatro de Arena de Oduvaldo Viana “Vianinha”  Filho, no Cinema Novo de Glauber Rocha, na Bossa Nova de João Gilberto, na Poesia Concreta de Ferreira Goulart, no Neo-Concretismo de Helio Oiticiça. O Brasil finalmente ganha a Copa do Mundo de 1958. Tem início a fase de ouro do nosso futebol, com o surgimento de Pelé e Garrincha. No ano seguinte é consagrado campeão de basquete. Maria Esther Bueno vence o Mundial de Tênis em Winbledon em 59 e 60 e Eder Jofre traz para casa o título mundial de pesos pesados em 60.



A televisão chegou ao Brasil em 1950, trazido pelo pioneirismo do paraibano Assis Chateaubriand. A Radio Nacional transmite a novela O Direito de Nascer e a TV apresenta a primeira telenovela em 1951. Com muita ironia, humor e provocação, Chiclete com Banana (Gordurinha e Almira Castilho) expressava a crítica à influência de música norte americana no Brasil. A música veio ao público na década de 50, na interpretação de Jackson do Pandeiro. Os filmes da Atlântida reinam absolutos nesta década. Surge a Vera Cruz com o cinema profissional.



No Brasil ainda não havia nada mais ambicionado do que um Cadilac rabo de peixe. O chiclete de bola, o blue jeans, o rabo de cavalo, o topete e a cuba livre são obrigatórios. Gibi era uma palavra mágica para crianças, adolescentes e muitos adultos. O rádio cria ilusões, vende produtos, fabrica astros, molda a opinião do grande público: Cauby Peixoto, Ângela Maria e Doris Monteiro são os ídolos. Luís Gonzaga divulga o baião. As estampas Eucalol, a Revista do Rádio, os jingles e as novelas da Rádio Nacional (inclusive Gerônimo, o Herói do Sertão) fazem sucesso.



Os produtos culturais midiáticos brasileiros têm grande penetração junto aos receptores. Em um primeiro momento, ocorreu o aproveitamento ou transposição de personalidades ligadas ao mundo cinematográfico aos quadrinhos. Artistas, personagens ou obras específicas foram transformadas em séries ou revistas em quadrinhos. Comediantes de enorme sucesso da Atlântida Cinematográfica, Oscarito e Grande Otelo estiveram entre as primeiras personalidades da esfera pop a ser transformados em personagens de quadrinhos, estreando e titulando a revista da Editora La Selva, de São Paulo, publicada de 1957 a 1959.




O estúdio da Atlântida Cinematográfica, idealizado por José Carlos Burle e Moacir Fenelon em 1941, representou uma bem sucedida tentativa de se criar uma indústria de cinema brasileira, que ganhou impulso especialmente após a entrada de Luís Severiano Ribeiro Jr. na sociedade. Comédias e musicais, e também a mistura destes gêneros foram o grande mote de popularidade da Atlântida, conquistando o público brasileiro. Dos filmes da Atlântida revelou-se uma dupla de comediantes que até hoje possui admiradores entusiasmados: Oscarito & Grande Otelo. Apareceram juntos pela primeira vez, mas sem ainda formar a dupla consagrada, no filme Tristezas Não Pagam Dívidas (de José Carlos Burle, 1944). Ainda na busca do estrelato, puderam ser vistos em Não Adianta Chorar (de Watson Macedo, 1945). Foi sob a batuta deste último diretor, na década seguinte, em filmes como Aviso Aos Navegantes (1950) e Aí Vem O Barão (1951), que a dupla virou fenômeno popular, continuando a trajetória em outros filmes bem sucedidos como Carnaval Atlântida e Barnabé Tu És Meu, ambos dirigidos por Burle e lançados no ano de 1952. O diretor Carlos Manga esteve na frente dos filmes que são considerados por muitos críticos e admiradores, como os melhores estrelados por Oscarito & Grande Otelo: A Dupla Do Barulho (1953) e Matar Ou Correr (1954).




Como era praxe naquela época, de grande popularidade das histórias-em-quadrinhos, Oscarito & Grande Otelo acabaram indo parar nas páginas dos gibis, graças a Editora La Selva. E ficou a cargo de grandes artistas a transposição da formidável dupla das fitas para os quadrinhos. Jayme Cortez produziu, como era marca do talentoso artista luso-brasileiro, capas belíssimas. O roteiro das histórias coube a Flávio de Souza e também Cláudio de Souza, ilustrados por outros grandes nomes do quadrinho nacional – o mais renomado talvez tenha sido o alagoano Messias de Mello, ilustrador e cartunista até hoje reverenciado por seus contemporâneos (Mello já produzia para a La Selva, as HQs da famosa dupla de clowns, Arrelia e Pimentinha). Outro a ilustrar as aventuras de Oscarito & Grande Otelo nos gibis foi João Batista Queiroz, renomado cartunista e chargista da paulicéia, ele que foi o criador do rinoceronte Cacareco, que viria a se tornar símbolo do voto de protesto na política paulistana. Outros que ilustraram a dupla do barulho foram os cariocas Juarez Odilon  e Aílton Thomas. A Editora La Selva lançou o gibi de Oscarito e Grande Otelo em 1957, inspirada pelo grande sucesso da dupla nos cinemas brasileiros. A revista em quadrinhos ficou disponível nas bancas até 1959.




Aproveitando o sucesso feito na TV, pela dupla de palhaços, João Batista Queiroz lançava em 1958, Arrelia e Pimentinha, série humorística, a exemplo de Fuzarca e Torresmo e Grande Otelo e Oscarito. Publicada pela revista Cômico Colegial. O gibi teve desenhos de Messias de Mello (1904-1994) para a Editora La Selva. Acompanhado por uma barulhenta bandinha, o palhaço entra no diminuto picadeiro e cumprimenta seu parceiro cantando uma marchinha que começa assim: "Como vai? Como vai? Como vai? Eu vou bem, muito bem, bem bem!". Era Arrelia apresentando-se para a criançada (e seus pais, avós, tios ...) com o palhaço Pimentinha (o do famoso cone na cabeça) nos anos 50. Seu nome? Waldemar Seyssel que, depois de muita estrada (desde os anos 20), passou a trabalhar com o sobrinho Walter Seyssel. O Arrelia era a alma dessa dupla. Com sua bengala, roupas folgadas e coloridas e as pinturas no rosto fazia todo mundo cair na risada com seus gestos largos e exagerados e modo engraçado de pronunciar as palavras. Esses dois atravessaram toda a década de 50 e 60 fazendo apresentações em circos, festas, inaugurações, promoções comerciais e, principalmente, no que lhes deu a grande projeção: o programa dominical na televisão Circo do Arrelia, na TV Paulista (1951 até 1953) e, depois, na TV Record como Cirquinho do Arrelia (até os anos 70). Foram, também, personagens de revistas em quadrinhos. Alegraram a infância de muita gente. George Savalla Gomes ficou conhecido interpretando o papel do Palhaço Carequinha em circos e mais tarde nas rádios e televisões brasileiras. Ao lado de Fred, outro palhaço, ele animava as crianças em seu programa e em 1958, a história em quadrinhos do Carequinha e Fred chegou às bancas. Os roteiros dos gibis eram escritos por Cláudio de Souza e os desenhos eram feitos por Julio Shimamoto e João Batista Queiroz. As histórias mostravam o palhaço Carequinha e seu amigo Fred em situações e aventuras engraçadas.


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