ANOS
70
O País começava a década sob o tema
“Brasil, ame-o ou deixe-o” e termina com a volta dos exilados. O Brasil tornou-se tricampeão do futebol em
1970 no embalo de “Pra Frente Brasil”. A liberação de costumes dos 60 se
consolida na década. A atriz Leila Diniz vira símbolo de emancipação feminina.
70 foram os anos em que o sistema tratou de domar a explosão dos 60. Foram anos
de diluição de formas e transformação de contestação em consumo.
Impossibilitado de transitar nas esferas do sistema, houve a estrutura
paralela, alternativa. A imprensa do país viu surgir grandes experiências como
Opinião, Beijo, Avesso, Bondinho, Ex e o próprio Pasquim (criado no final dos
60) foi um jornal dos 70.
Com três presidentes impostos, o Brasil
conhece repressão, gradualismo e abertura A década foi da televisão:
multiplicaram as redes nacionais. Depois da Globo e das Associadas, também
surgiram a Record e a Bandeirantes. O regionalismo foi aniquilado pelo
imperialismo Rio-SP. Novela viveu um fenômeno e firmou-se como gênero artístico
independente.
No Brasil, era a época do milagre
econômico. Grandes obras – a Ponte Rio-Niterói, enormes hidrelétricas, a
Transamazônica – eram contratadas quase com a mesma facilidade com que hoje se
constrói uma pracinha. O poder da classe média aumentava, partidos controlados,
passeatas proibidas. Começaram a surgir uma série de jornais alternativos, após
Pasquim, que tiveram vida efêmera, como Flor do Mal, Presença e o baiano Verbo
Encantado. Com a censura, surgem as revistas eróticas que tomaram um maior
impulso.
Imprensada pela censura e empobrecida pelo
exílio de vários artistas de peso, a MPB resistiu. Nomes como Milton
Nascimento, Gonzaguinha, João Bosco, Novos Baianos foram revelados. São os anos
da música nordestina (Fagner, Belchior, Alceu Valença, Ednardo, Geraldo
Azevedo, Zé Ramalho), da vanguarda erudita (Walter Franco, Marcus Vinícius). A
presença da mulher como força de produção, na música é um dado importante na
década: Joyce e Sueli Costa, Leci Brandão, Marina Lima, Ângela Ro Ro, Cátia de
França, Marlui Miranda (foto), Simone, Elba Ramalho, Rita Lee e tantas outras.
O caminho da improvisação esteve constantemente em pauta com a música
instrumental de Wagner Tiso, Egberto Gismonti, Nana Vasconcelos, Hermeto
Paschoal, Nivaldo Ornellas.
Paulo Caruso e Rafik Farah criaram, a
partir do número nove do fanzine Balão em 1974, Capitão Bandeira. Ágil, esguio, passos leves e porte altaneiro.
Terno branco e largo para melhor movimentar-se sob o sol que queima a fronte.
Fé inabalável não se sabe exatamente no que. Sem vergonha e irresponsável, por
isso, feliz (mas não se sabe). Descendente de nobres africanos, Agenor Pantera
é o companheiro de Bandeira em suas andanças aventureiras. Capitão Bandeira tem
como guru – em muitas situações – o babalaiô, yogue e autodidata do terceiro
mundo, como ele mesmo se intitula, o professor Mitologicus Contemporanius.
Argemiro, título da tira
diária criada pelo desenhista Setúbal na Tribuna da Bahia a partir de 1977. Os
problemas de um homem de meia idade, classe média, diante da realidade:
trabalho exaustivo em relação a baixa remuneração, aumento da gasolina gerando
outros aumento, crise de energia, futebol, etc.A historieta é valorizada pelo
traço expressivo do personagem. Os desenhos de Setúbal são detalhistas, cheios
de sofisticado preciosismo, sempre atentos às mínimas novidades. Nada parece
lhe escapar.
Henfil tira férias do Caderno B do Jornal
do Brasil em 1977 e Luis Fernando Veríssimo publica a série As Cobras. Na época em que o país
gritava como podia contra o Regime Militar, desenhar duas cobrinhas foi uma
forma de contornar a censura. “Uma das razões para fazer as cobras era, na
época em que elas nasceram, você podia dizer mais com desenhos do que com
texto”, disse Veríssimo ao jornal O Globo. “Desenho tinha aquela conotação de
coisa lúdica, infantil, e era conveniente para driblar a censura”. Elas
continuaram dizendo até 1997, quando deixaram de ser publicadas. A economia no
traço de Veríssimo para desenhar As Cobras foi uma estratégia para suprir sua
inabilidade confessa para o desenho. Isto, porém, não foi um problema para o
reconhecimento de sua obra. O espanto é que tenha um forte discurso político,
mas com um lirismo encantador. As Cobras foram publicadas no jornal Zero Hora,
de Porto Alegre e no Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, atingindo grande
prestígio de público.
O gaúcho Renato
Canini (1936-2013) criou para a revista Patota (editora Artenova) em 1973, o
personagem do Dr. Fraud. Com um
óbvio trocadilho em relação ao nome do pai da psicanálise, Sigmund Freud, Dr.
Fraud era evidentemente um charlatão e recebia em seu divã toda espécie de
objetos inanimados, personagens de ficção e pacientes em geral, que recebiam
sua completa atenção, mas provavelmente, nenhuma ajuda. O personagem antecipou
em alguns anos o Analista de Bagé, de Luís Fernando Veríssimo.
O
desenhista Miguel Paiva lança no Caderno B do Jornal
do Brasil em 1977 a série Dr. Freud, o psicanalista dominado por fortíssimo complexo de Édipo e tarado sexual. Ele é um grande investidor. Investe particularmente nas neuroses do paciente. Dr Freud – diz seu criador – cultiva um ´caso´ eterno com a
mãe. É um desajustado sexual e, como todo bom psicanalista, um grande
investidor. Investe particularmente nas neuroses dos pacientes. Chegou até a
criar o Fundo Freud de Investimentos, onde cada paciente pode ´aplicar´ a sua
neurose, transformando-a um dia, com paciência e perseverança, numa magnífica
paranóia. Por estranha coincidência, o Dr Freud recomenda tratamento mais
longos para as pessoas mais ricas.
Nildão
(Josanildo Dias Lacerda) começou a publicar a tira Os Bichim no jornal A Tarde, Caderno 2, em 18 de julho de 1977. O
universo do tamanho do fruto da goiabeira. Bichim era um bichinho de goiaba que
chegava ao mundo e começava a questionar as coisas que via. Tanto na escolha do
tema, como na linguagem, o domínio da poética é visto nesses quadrinhos de
traço simples e equilíbrio. O título foi decorrente da linguagem nordestina que
sempre abrevia o diminutivo em “im”. Aos poucos foi conhecendo outros
personagens como Fernão Capelo Gaivota, um animal massificado que já conhece as
malandragens do mundo. Mais tarde eles chegaram a conclusão de que o câncer da
humanidade era o homem e resolveram ir ao céu pedir a Deus para tirar o humano
da terra. Ao chegarem lá encontra o Deus narcisista, preocupado com a imagem e
que não se interessava pelo que aqui estava acontecendo. Nessa fase, o jornal
deixou de publicar a tira, alegando ser uma empresa de fundamentos religiosos.
Para não deixar de publicar suas criações, Nildão cria novos personagens e
novos argumentos. A tira Os Bichim foi distribuída pela ECAB (Editora Carneiro
Bastos) para outros jornais e também publicada na revista Eureka da editora
Vecchi.
No final da década de 1970 surgiu uma revista
de histórias em quadrinhos com o quarteto cômico composto pelos artistas Renato
Aragão (Didi), Manfried Santana (Dedé), Antonio Carlos Bernardes Gomes (Mussum)
e Mauro Faccio Gonçalves (Zacarias), denominado Os Trapalhões. Juntos
estrelaram o mais longo programa humorístico da televisão brasileira. O
conteúdo das revistas, publicadas a partir de 1976, pela Editora Bloch, trazia conteúdo
semelhante ao desenvolvido no programa, explorando temas picantes, brincando com
preconceitos, ridicularizando figuras proeminentes do cenário político
nacional, do mundo dos esportes e do entretenimento, satirizando situações do
cotidiano brasileiro, desde questões económicas a sociais.
Também nos anos 1970, o artista gaúcho Renato
Canini foi contratado pela Editora Abril para criar histórias protagonizadas por
Zé Carioca, personagem idealizado por Walt Disney e sua equipe no início dos anos
1940 para representar o Brasil em um momento em que os Estados Unidos
precisavam do apoio do país contra as forças do eixo nazi-fascista. Ao lado do
roteirista Ivan Saidenberg, Canini não apenas inseriu o papagaio em paisagens
brasileiras, em especial os morros cariocas que abrigam os barracos onde mora a
parcela mais pobre da sociedade, mas também o cercou de questões sociais, de
elementos característicos de “brasilidade” e da diversidade de cultural do país.
Personalidades do mundo televisivo foram
aproveitados nos quadrinhos como os apresentadores Gugu, Xuxa, Angélica e
Faustão, os cantores Leandro e Leonardo, os atletas Pelé, Ayrton Senna, Oscar Schmidt e Ronaldinho Gaúcho.
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