10 outubro 2019

O negro nos quadrinhos do Brasil (02)


Para ter uma perspectiva mais ampla “e assim, mais consistente” sobre o assunto, Chinen teve que buscar os primórdios dos quadrinhos, ou seja, sua origem como comunicação de massa. A própria denominação inglesa para elas é comics (cômico) ou funnies (engraçado); a palavra mangá significa desenho sem compromisso. E nesta confusão de sentidos e intenções, nada mais “natural” que os primeiros desenhos tivessem o negro estereotipado, assim como japoneses, afinal, a caricatura tem a função de realçar as diferenças e expor de tal modo que as tornem engraçadas. Mas é nesta intenção de provocar o riso que os quadrinhos pecam há alguns anos. Como em tantas outras formas de arte, a intenção da ilustração é fazer com que o leitor rapidamente identifique (e muitas vezes se identifique) os personagens retratados, sem precisar de maiores explicações. E este modo de ver acaba se tornando um padrão, que na maior parte das vezes esbarra no arriscado limite que é tornar-se ofensivo.




Nos primeiros anos dos quadrinhos – e todos os outros que se seguiram depois disso – esses estereótipos foram usados sem o mínimo respeito, uma vez que esta era a forma ‘normal’ de reproduzir estas características. Logo nas primeiras ilustrações datadas entre o fim do século XIX e o começo do XX, os trabalhos que representavam os negros já estavam associados à imagem de selvagens nativos, com ossos atravessados no nariz como adereços e vestindo tangas ou saias de palha. Anos depois, os negros passam a aparecer trabalhando para um patrão branco.




Em quatro capítulos (Realidade do negro no Brasil, Imagem do negro na expressão gráfica, Negros no humor gráfico, e o negro nos quadrinhos) o estudioso discute o papel dos negros na sociedade brasileira. Na década de 60 surgem quadrinhos sobre a atuação de Pelé (Pedro Seguí, Takayuki Kanni), Tião (L.C.Salgueiro), Fumaça (Carlps Cunha)  Jambolão (Orlando Pizzi) e Jeremias (Mauricio de Sousa), Madame Satã (Julio Shimamoto) Nos anos 70 tem o Praça Atrapalhado (Eduardo Pereira), Graúna, Caboco Mamadô, o Preto que ri (Henfil), Previo e o menino Jejun da serie Rango (Edgar Vasques), Giba (Henrique Farias), Feijão (o primeiro personagem de quadrinhos de Angeli).




Da década de 80 tem Dr. Baixada (Luscar), Pivete (Edmar Viana), Moçamba (Angeli), Bundha e Tanga (Newton Foot), Lucio (Ziraldo), Pagode (Floreal), Capitão Bandeira (Paulo Caruso). Nos anos 90 surgiram Nonô Jacaré (Alan Alex), Tantra, Suriá (Laerte) entre outros.



A partir da segunda década do século XXI os quadrinhos independentes ganharam um forte impulso o que proporcionou o surgimento de historias autorais e focadas em temas pelos quais as editoras têm pouco interesse ou nos quais não ousam investir. O público leitor ficou mais diversificado e as plataformas de financiamento coletivo, ou vaquinhas virtuais, colaborou grandemente para aumentar o número de publicações.  Segundo o pesquisador, nos últimos anos, diversos autores têm tratado das questões de relações étnicas de forma muito mais aberta, apontando e denunciando as desigualdades sociais e a discriminação como grandes problemas nacionais.




No livro Nabu expõe, “a verdadeira face de um país preconceituoso e racista, mas que resiste em admitir essa característica”, com afirma. E assim promove o resgate de parte importante de nossa historiografia.




Alguns artistas da atualidade que vale ressaltar: Dono de um traço extremamente estilizado e ao mesmo tempo personalizado como uma impressão digital, o quadrinista carioca André Diniz é um dos artistas mais prolífero do país. Já lançou no mercado álbuns como O Quilombo Orum Aiê, Morro da Favela, A Cachoeira de Paulo Afonso, Ato 5, Mwindo, O Negrinho do Pastoreio.



Marcelo D'Salete publicou os contos de Noite Luz (2008) e Encruzilhada (2011), cenas e fragmentos da vida urbana. Em Cumbe (2014) e Angola Janga (2017) mergulhou nas tragédias do passado da escravidão no Brasil. Em 2018, além de ganhar o famoso Prêmio Jabuti por Angola Janga – Uma História de Palmares, na categoria voltada às HQs, viu a edição americana de Cumbe (2014) vencer o Prêmio Eisner, conhecido também como o Oscar dos quadrinhos.


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