Para ter uma perspectiva mais ampla “e
assim, mais consistente” sobre o assunto, Chinen teve que buscar os primórdios
dos quadrinhos, ou seja, sua origem como comunicação de massa. A própria
denominação inglesa para elas é comics (cômico) ou funnies (engraçado); a
palavra mangá significa desenho sem compromisso. E nesta confusão de sentidos e
intenções, nada mais “natural” que os primeiros desenhos tivessem o negro
estereotipado, assim como japoneses, afinal, a caricatura tem a função de
realçar as diferenças e expor de tal modo que as tornem engraçadas. Mas é nesta
intenção de provocar o riso que os quadrinhos pecam há alguns anos. Como em
tantas outras formas de arte, a intenção da ilustração é fazer com que o leitor
rapidamente identifique (e muitas vezes se identifique) os personagens
retratados, sem precisar de maiores explicações. E este modo de ver acaba se tornando
um padrão, que na maior parte das vezes esbarra no arriscado limite que é
tornar-se ofensivo.
Nos primeiros anos dos quadrinhos – e
todos os outros que se seguiram depois disso – esses estereótipos foram usados
sem o mínimo respeito, uma vez que esta era a forma ‘normal’ de reproduzir
estas características. Logo nas primeiras ilustrações datadas entre o fim do
século XIX e o começo do XX, os trabalhos que representavam os negros já
estavam associados à imagem de selvagens nativos, com ossos atravessados no
nariz como adereços e vestindo tangas ou saias de palha. Anos depois, os negros
passam a aparecer trabalhando para um patrão branco.
Em quatro capítulos (Realidade do negro no
Brasil, Imagem do negro na expressão gráfica, Negros no humor gráfico, e o
negro nos quadrinhos) o estudioso discute o papel dos negros na sociedade
brasileira. Na década de 60 surgem quadrinhos sobre a atuação de Pelé (Pedro
Seguí, Takayuki Kanni), Tião (L.C.Salgueiro), Fumaça (Carlps Cunha) Jambolão (Orlando Pizzi) e Jeremias (Mauricio
de Sousa), Madame Satã (Julio Shimamoto) Nos anos 70 tem o Praça Atrapalhado
(Eduardo Pereira), Graúna, Caboco Mamadô, o Preto que ri (Henfil), Previo e o
menino Jejun da serie Rango (Edgar Vasques), Giba (Henrique Farias), Feijão (o
primeiro personagem de quadrinhos de Angeli).
Da década de 80 tem Dr. Baixada (Luscar),
Pivete (Edmar Viana), Moçamba (Angeli), Bundha e Tanga (Newton Foot), Lucio
(Ziraldo), Pagode (Floreal), Capitão Bandeira (Paulo Caruso). Nos anos 90
surgiram Nonô Jacaré (Alan Alex), Tantra, Suriá (Laerte) entre outros.
A partir da segunda década do século XXI
os quadrinhos independentes ganharam um forte impulso o que proporcionou o
surgimento de historias autorais e focadas em temas pelos quais as editoras têm
pouco interesse ou nos quais não ousam investir. O público leitor ficou mais
diversificado e as plataformas de financiamento coletivo, ou vaquinhas
virtuais, colaborou grandemente para aumentar o número de publicações. Segundo o pesquisador, nos últimos anos,
diversos autores têm tratado das questões de relações étnicas de forma muito
mais aberta, apontando e denunciando as desigualdades sociais e a discriminação
como grandes problemas nacionais.
No livro Nabu expõe, “a verdadeira face de
um país preconceituoso e racista, mas que resiste em admitir essa
característica”, com afirma. E assim promove o resgate de parte importante de
nossa historiografia.
Alguns artistas da atualidade que vale
ressaltar: Dono de um traço extremamente estilizado e ao mesmo tempo
personalizado como uma impressão digital, o quadrinista carioca André Diniz é
um dos artistas mais prolífero do país. Já lançou no mercado álbuns como O
Quilombo Orum Aiê, Morro da Favela, A Cachoeira de Paulo Afonso, Ato 5, Mwindo,
O Negrinho do Pastoreio.
Marcelo D'Salete publicou os contos de
Noite Luz (2008) e Encruzilhada (2011), cenas e fragmentos da vida urbana. Em
Cumbe (2014) e Angola Janga (2017) mergulhou nas tragédias do passado da
escravidão no Brasil. Em 2018, além de ganhar o famoso Prêmio Jabuti por Angola
Janga – Uma História de Palmares, na categoria voltada às HQs, viu a edição
americana de Cumbe (2014) vencer o Prêmio Eisner, conhecido também como o Oscar
dos quadrinhos.
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