09 outubro 2019

O negro nos quadrinhos do Brasil (01)


O Brasil se originou da colonização portuguesa de caráter escravocrata. Foi o último no mundo a abolir a escravidão dos africanos e seus descendentes. O fenômeno do racismo e a instituição da escravidão deixaram marcas na nação brasileira que persistem até nossos tempos. A população fenotipicamente escura apresenta os piores índices de desenvolvimento social quando comparadas com a população de pele branca.




Os negros sofrem cotidianamente um processo de discriminação que tem como base uma ideologia que relaciona fatores biológicos com aspectos morais que os inferiorizam enquanto grupo social. Por causa de todo o processo discriminatório, os negros apresentam a sua identidade social deteriorada. A ideologia da negritude é a contrapartida dos negros organizados para combater o racismo.




No Brasil a escassez de personagens negros é lamentável. Podemos citar Benjamin (Luis Loureiro), Lamparina (J. Carlos), Azeitona (Luis Sá), Pererê (Ziraldo), Preto que ri (Henfil) e alguns outros. As diferentes maneiras como os afrodescendentes foram representados nas histórias em quadrinhos no Brasil ao longo do tempo é o foco do livro do pesquisador Nobu Chinen: O NEGRO NOS QUADRINHOS DO BRASIL, publicado pela Editora Peirópolis. Uma obra valiosa




Nas mais de 300 páginas o rigoroso trabalho de investigação científica, Nobu passeia com eficiência e precisão por variados personagens e publicações brasileiras. Esse trabalho é uma versão revisitada de seu doutorado, defendido em 2013 na Escola de Comunicações e Artes da USP. Na sua pesquisa ele aponta Benedito, criado do protagonista da série Nhô-Quim, de Angelo Agostini a partir de 1869 como o primeiro personagem negro dos quadrinhos brasileiro. Para Chinen, “não há em seus traços fisionômicos algo neutro e exagerado ou que se aproxima do estereótipo de representação do negro que viria a se impor como padrão nos anos seguintes nos quadrinhos nacionais, e isso numa época em que a escravidão ainda era vigente” (pag.122). E confirma a simpatia de Agostini pela causa abolicionista. “Apesar de ter sido o primeiro, Benedito não mereceu, portanto, mais do que poucas aparições, diferentemente de Giby, outro negro, que estrearia no dia 16 de outubro de 1907 em O Tico Tico. Giby era criado da família do personagem Juquinha, também nome da série desenhada por J.Carlos. Gaby já possuía todas as características estereotipadas que viriam marcar a maioria, se não a totalidade, das representações de negros nos quadrinhos e nas charges de modo geral. No mesmo O Tico Tico, estrearia em 1919 o menino negro Benjamin, parceiro de aventuras de Chiquinho. Em 1930, surgiria, ainda nas páginas de O Tico Tico uma das series de maior sucesso e repercussão da revista: o trio Reco Reco, Bolão e Azeitona, criação de Luiz Sá.




Gibi também foi um termo usado como sinônimo de revista em quadrinhos no Brasil. Etimologicamente significa menino negro, mas que nunca foi personagem de quadrinhos. Gibi foi o título de uma publicação em quadrinhos de muito sucesso e tinha como mascote, de fato, um garoto negro. No entanto, apesar de aparecer em diversas capas, ele jamais foi personagem de uma história em quadrinhos. Além disso, Nobu Chinen, que há anos trabalha na área de quadrinhos, percebeu que historicamente, o personagem negro mais famoso dos quadrinhos é o Pererê, do Ziraldo, mas é um ser folclórico que, embora de boa índole e de ser o herói da série, não é um personagem “real”, ainda que personagens de quadrinhos sejam quase todos, por princípio, de ficção. Ou seja, o humano, o negro do cotidiano pouco aparece nos quadrinhos e quando aparece ele não existe, não reflete um ideal ao qual o leitor possa aspirar. “Quando comecei a pensar no meu projeto de pesquisa, havia muitos estudos sobre super-heróis americanos e sobre mangás, o que é justificável por serem os mais bem sucedidos comercialmente e que têm mais visibilidade. Eu queria escolher um tema nacional para trabalhar porque nossa bibliografia é bastante escassa”, afirmou Chinen.


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