O Brasil se originou da colonização
portuguesa de caráter escravocrata. Foi o último no mundo a abolir a escravidão
dos africanos e seus descendentes. O fenômeno do racismo e a instituição da
escravidão deixaram marcas na nação brasileira que persistem até nossos tempos.
A população fenotipicamente escura apresenta os piores índices de
desenvolvimento social quando comparadas com a população de pele branca.
Os negros sofrem cotidianamente um
processo de discriminação que tem como base uma ideologia que relaciona fatores
biológicos com aspectos morais que os inferiorizam enquanto grupo social. Por
causa de todo o processo discriminatório, os negros apresentam a sua identidade
social deteriorada. A ideologia da negritude é a contrapartida dos negros
organizados para combater o racismo.
No Brasil a escassez de personagens negros
é lamentável. Podemos citar Benjamin (Luis Loureiro), Lamparina (J. Carlos),
Azeitona (Luis Sá), Pererê (Ziraldo), Preto que ri (Henfil) e alguns outros. As
diferentes maneiras como os afrodescendentes foram representados nas histórias
em quadrinhos no Brasil ao longo do tempo é o foco do livro do pesquisador Nobu
Chinen: O NEGRO NOS QUADRINHOS DO BRASIL,
publicado pela Editora Peirópolis. Uma obra valiosa
Nas mais de 300 páginas o rigoroso
trabalho de investigação científica, Nobu passeia com eficiência e precisão por
variados personagens e publicações brasileiras. Esse trabalho é uma versão
revisitada de seu doutorado, defendido em 2013 na Escola de Comunicações e
Artes da USP. Na sua pesquisa ele aponta Benedito, criado do protagonista da
série Nhô-Quim, de Angelo Agostini a partir de 1869 como o primeiro personagem
negro dos quadrinhos brasileiro. Para Chinen, “não há em seus traços
fisionômicos algo neutro e exagerado ou que se aproxima do estereótipo de
representação do negro que viria a se impor como padrão nos anos seguintes nos
quadrinhos nacionais, e isso numa época em que a escravidão ainda era vigente”
(pag.122). E confirma a simpatia de Agostini pela causa abolicionista. “Apesar
de ter sido o primeiro, Benedito não mereceu, portanto, mais do que poucas
aparições, diferentemente de Giby, outro negro, que estrearia no dia 16 de
outubro de 1907 em O Tico Tico. Giby era criado da família do personagem
Juquinha, também nome da série desenhada por J.Carlos. Gaby já possuía todas as
características estereotipadas que viriam marcar a maioria, se não a
totalidade, das representações de negros nos quadrinhos e nas charges de modo
geral. No mesmo O Tico Tico, estrearia em 1919 o menino negro Benjamin,
parceiro de aventuras de Chiquinho. Em 1930, surgiria, ainda nas páginas de O
Tico Tico uma das series de maior sucesso e repercussão da revista: o trio Reco
Reco, Bolão e Azeitona, criação de Luiz Sá.
Gibi também foi um termo usado como
sinônimo de revista em quadrinhos no Brasil. Etimologicamente significa menino
negro, mas que nunca foi personagem de quadrinhos. Gibi foi o título de uma
publicação em quadrinhos de muito sucesso e tinha como mascote, de fato, um
garoto negro. No entanto, apesar de aparecer em diversas capas, ele jamais foi
personagem de uma história em quadrinhos. Além disso, Nobu Chinen, que há anos
trabalha na área de quadrinhos, percebeu que historicamente, o personagem negro
mais famoso dos quadrinhos é o Pererê, do Ziraldo, mas é um ser folclórico que,
embora de boa índole e de ser o herói da série, não é um personagem “real”,
ainda que personagens de quadrinhos sejam quase todos, por princípio, de ficção.
Ou seja, o humano, o negro do cotidiano pouco aparece nos quadrinhos e quando
aparece ele não existe, não reflete um ideal ao qual o leitor possa aspirar.
“Quando comecei a pensar no meu projeto de pesquisa, havia muitos estudos sobre
super-heróis americanos e sobre mangás, o que é justificável por serem os mais
bem sucedidos comercialmente e que têm mais visibilidade. Eu queria escolher um
tema nacional para trabalhar porque nossa bibliografia é bastante escassa”,
afirmou Chinen.
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