“Eu sozinho sou mais
forte/minh'alma mais atrevida/não fujo nunca da vida/nem tenho medo
da
morte//Eu sozinho de verdade/encontro em mim minha essência/não faço caso de
ausência/e nem me incomoda a saudade//Eu sozinho em estado bruto/sou força que
principia/sou gerador de energia/de mim mesmo absoluto//Eu sozinho sou
imenso/não meço nunca o meu passo/não penso nunca o que faço/e faço tudo o que
penso//Eu sozinho sou a Esfinge/pousado no meio do deserto/que finge que sabe o
que é certo/e sabe que é certo que finge//Eu sozinho sou sereno/e diante da
imensidão/de toda essa solidão/o mundo fica pequeno//Eu sozinho em meu
caminho/sou eu, sou todos, sou tudo/e isso sem ter contudo/jamais ficado
sozinho”.
A composição é de Paulo César
Pinheiro. Conviver o dia a dia com tanta gente e ao mesmo tempo se sentir
solitário parece um paradoxo social contemporâneo. Mas são muitas as situações
geradoras de solidão. Há solidão gerada pelo próprio poder, solidão decorrente
da riqueza, solidão dos bem e mal casados, solidão imposta pelo trabalho
atomizado, solidão da criança cujos pais são egoístas ou inafetos, solidão dos
velhinhos rejeitados com suas memórias e, muitas vezes, abandonados nos asilos
esquecidos dos familiares, solidão da loucura, dos internos, dos hospitais
psiquiátricos, solidão dos enfermos hospitalizados ou dos desempregados.
Muitas pessoas solitárias
justificam seu “desejo de privacidade” escolhendo “viver sozinhas porque gostam
de liberdade”, “prefere viver sozinha do que mal acompanhadas”. A tendência
individualista de nossa época reforça o temor de conviver com as diferenças
humanas, afinal, morar junto implica, sobretudo, sermos tolerante, compreender
o outro, termos que dividir espaços e coisas e aceitar conferir a todo momento
que o outro não nos preenche.
Há quem use a solidão como tempo
de inspiração, análise e programação. É o recolhimento ao próprio íntimo. De
vez em quando é preciso estar só. Ao sair da África até a Bahia o navegador
Amyr Klink passou dias sozinho em sua pequena embarcação. Perguntaram-lhe se a
solidão não teria sido seu maior obstáculo. Ele respondeu que nunca estivera só
porque muitos torciam por ele e o que fazia lhe dava prazer. Quem age dessa
forma não dá espaço para a solidão.
Há diferença entre viver sozinho
“por opção” e o isolamento social obrigatório. No primeiro, a escolha é
consciente e deliberada viver solitariamente, já que no segundo existe a
imposição do destino ou das circunstâncias. O escritor, por exemplo, precisa
estar sozinho para se concentrar e produzir seu texto. Também para ler,
refletir, escrever, é preciso estar sozinho. Há diversas funções
profissionais
cujo isolamento social é condição sine que non para bem exercer a função.
Ocupação é o antídoto para a solidão.
O filósofo Gaton Bachelard
questiona: “Como se comporta sua solidão? Esta pergunta tem mil respostas. Em
que recanto da alma, em que recanto do coração, em que lugar do espírito, um
grande solitário está só, bem só? Só? Fechado ou consolado? Em que refúgio, em que
cubículo, o poeta é realmente um solitário? E quando tudo muda também segundo o
humor do céu e a cor dos devaneios, cada impressão de solidão de um grande
solitário deve achar sua imagem (...) Um homem solitário, na glória de ser só,
acredita às vezes pode dizer o que é a solidão. Mas a cada um cabe uma solidão
(...) As causas da sua solidão não serão nunca as causas da minha”. E conclui:
“A solidão não tem história”.
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