Para Zygmunt Bauman a vida moral é um percurso de incerteza contínua. “Ela é construída de tijolos de dúvida e cimentada com surtos de autodepreciação. Uma vez que as linhas divisórias entre o bem e o mal não tenham sido previamente traçadas, elas são estabelecidas no curso da ação, e o resultado desse esforço em termos de traçados de desenho é semelhante a uma sequência de pegadas na areia, e não a uma rede de estrada mapeadas. Assim, a solidão é um morador tão permanente e não exclusível da morada da responsabilidade quanto a ambivalência”.
Muito da inventividade humana se dedica, ao longo da história, a conceber maneiras de se aliviar do fardo. Em tempos pré-modernos, os princípios desses projetos tinham caráter religioso. O núcleo de todo sistema religioso não era a ideia de pecado, mas de arrependimento e redenção. “Nenhuma religião jamais considerou a vida sem pecados uma perspectiva viável, nem propôs um caminho para uma vida sem mal”
Assim, as religiões aceitam a inevitabilidade do pecado e concentram seus esforços nas formas de amenizar a dor pela nítida prescrição do arrependimento ligado à promessa de redenção. “A promessa de uma vida liberta do pecado (agora renomeado como culpa) foi tão somente o projeto moderno de refazer o mundo à medida das necessidades e capacidades humanas, de acordo com um projeto concebido de modo racional”
“O mundo pós moderno, em que as autoridades brotam sem prévio aviso, prega adiar o pagamento. Se a caderneta de poupança era a epítome da vida moderna, o cartão de crédito é o paradigma da pós-modernidade”. “O homem ingressa no mundo ético pelo medo e não pelo amor” sugeriu Paul Ricoeur. O “mundo ético” identificado com a integração sagrada do “estar-com”. O medo em questão é o da lei, estrita e severa.
No que diz respeito a identidade, Bauman informa que o “problema da identidade” moderna consistia em como construir uma identidade e mantê-lo sólida e estável. O “problema de identidade” pós-moderno diz respeito essencialmente à forma de se evitar a fixidez e manter abertas as opções. O lema da modernidade era “criação” já o lema da pós-modernidade é “reciclagem”.
Como Jean Baudrillard não cansava de repetir: este é um mundo de simulacros, no qual as imagens são mais reais que a realidade, onde tudo é uma representação, e, portanto, a diferença entre representação e o que é representado não pode mais ser estabelecida, enquanto todas aquelas imagens “palpavelmente realistas”, vividas, servem só para encobrir a ausência de uma realidade que pudesse, de maneira concebível, sustentar alguma autoridade sobre elas. As realidades se “fundam” em suas ostensivas representações.
ALERTA - Bauman nomeia um time de pensadores contemporâneos que o ajudam a demonstrar por que, na modernidade líquida, estamos condenados a mudar obstinadamente, carregando e reprocessando incertezas. Notem que o tempo todo ele chama atenção para as novas formas da desigualdade no planeta e faz um alerta: na sociedade global, a justiça será obra de acordos, não de consensos.
“O que tempos atrás era apelidado erroneamente de ´pós-modernidade´, e que prefiro chamar ´modernidade líquida´, traduz-se na crescente convicção de que a mudança é a nossa única permanência. E a incerteza, a nossa única certeza. Nossa sociedade não está preocupada com a satisfação de necessidades, desejos e vontades, mas com a commoditização ou recommoditização do consumidor. Daí o sentido de obsolescência e descartabilidade que nos persegue”.
“As celebridades tornaram-se um fenômeno curioso. Elas parecem nos avisar que chegou a hora de rever o famoso veredicto de Descartes, ´penso, logo existo´, alterando-o para ´sou visto, logo existo´. E tão mais existo quanto mais visto for - seja na TV, nas revistas glamourosas, no Facebook. Como sugere o psicanalista francês Serge Tisseron, os relacionamentos significativos passaram do campo da intimité para o da extimité - ou seja, extimidade. Celebridades encarnam essa nova condição, funcionando como estrelas-guias, padrões a serem seguidos. Mostram o caminho para as massas que sonham e lutam para se tornar commodities vendáveis. Tudo isso comprova o apagamento da sacrossanta divisão entre a esfera privada e a esfera pública. Transformamo-nos numa sociedade confessional: microfones são fixados no cofre-forte dos nossos mais recônditos segredos, violando aquilo que só poderia ser transmitido para Deus ou para seus mensageiros plenipotenciários. Hoje esses microfones se encontram conectados a alto-falantes que bradam nossas vidas em praça pública”.
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