A arte africanizada (visual inspirado na estética africana) de André Diniz conta a história de um jovem escravo chamado Capivara que sai em busca de um quilombo lendário, onde seu pai está vivendo. No Quilombo Orum Aiê não há guerras ou desavenças e todos vivem por muitos anos com perfeita saúde. E em sua jornada a esse quilombo idílico, Capivara se junta a outros personagens em uma narrativa que apresenta temas como a natureza real da sabedoria e a busca pela felicidade e pelo amor.
O autor cria com detalhes a Salvador de 1835, transmitindo a sensação de uma cidade viva. Ele retrata diferenças poucas vezes encontradas em uma obra que tem a escravidão como pano de fundo, como as diferenças entre escravos recém-chegados, escravos urbanos ou do campo, de diferentes etnias e falando diferentes idiomas.
E se o traço de André Diniz é fortemente influenciado pela estética da arte africana, o roteiro é muito bem traçado com diálogos afiados e muito bem construído. O personagem Capivara é um bom exemplo disso. Dono de uma sabedoria inata, se aproxima instintivamente de temas abordados por grandes pensadores da humanidade mesmo sendo analfabeto. Junto a ele seguem o recém-chegado Abul, forte negro iorubá de coração bom que não fala português, a jovem Sinhana, escrava questionadora e de personalidade forte, e Antero, um branco ex-prisioneiro de passado incerto, que possui grande erudição, mas parece sempre esconder segredos.
Interessado em períodos históricos, Diniz leu mais de 20 livros como referência para produzir a história. “Agora, em particular com o tema da escravidão, o que me motivou muito foi mudar aquela visão única que encontramos dos escravos na ficção brasileira, quase sempre falando português e retratado como um conquistado estereotipado. A realidade é muito mais complexa, com muitas etnias, algumas que já tinham histórias entre si, idiomas diferentes, uma forte influência do
islamismo e diversos tipos de escravos, os urbanos, os rurais...” disse ele em uma das entrevistas. O Museu da Cultura Afro Brasileira, em São Paulo foi também importante na sua pesquisa visual.
Para quem não se lembra, o carioca, André Diniz ganhou oito prêmios HQ-Mix e quatro Ângelo Agostini, entre 2000 e 2004. Ele também é editor do site Nona Arte. Antes ele produziu o autobiográfico "7 Vidas" (Conrad), o histórico "A revolta de Canudos" (Escala Educacional) e o independente "Ato 5". Agora ele recria a Revolta dos Malês em HQ
O roteiro é primoroso, resgata a pulsação da época, em todos os seus detalhes, dos políticos aos sociais. O personagem escravo foge ao estereótipo de escravo. E quem sai ganhando é o leitor que devora esse álbum com paixão. “Nesse fabuloso mundo recriado pelo universo dos quadrinhos, a imagem, o texto e a técnica refinada de André Diniz se integram harmoniosamente, proporcionando aos leitores de todas as idades uma sedutora fusão de linguagens”, escreveu Rogério Andrade Barbosa na orelha da obra. Para ler e reler.
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