A linguagem sobre o sexo é o tema de hoje. A arte sacra é erótica. Já o barroco estava sempre em conflito entre o sagrado e o carnal. A imagem dos santos barrocos são bonitos para serem desejadas inconscientemente. Diante das imagens, queremos tocá-las, queremos senti-las, queremos desfrutar de sua beleza. Quanto mais bonita a imagem, mais queremos levá-la para casa, possuí-la, tê-la ao alcance de nossos olhos. A arte sacra é tão semiótica quanto um quadro do Van Gogh ou do Monet. É, sobretudo, uma adoração à imagem, ao que está implícito, ao que os olhos não conseguem captar, pois seu verdadeiro significado está nas inferências do próprio sentimento que desencadeia a leitura da imagem.
O pensador francês Michel Foucault observou que em quase todas as culturas existe uma arte erótica, isto é, formas de iniciação ao prazer e à satisfação sexual (como por exemplo, o Khama Sutra ou a arte amorosa japonesa). Em contrapartida, nossa cultura – cristã, européia, ocidental – deu origem a algo insólito: uma ciência sexual, curiosidade e vontade de tudo saber sobre o sexo para melhor controlá-lo. “Scientia sexuales” opõe-se culturalmente, segundo Foucault, a “ars erótica” que certas civilizações (China, Índia, mundo muçulmano) aplicam à sensualidade, definida como mistério e assunto passível de um processo de iniciação e aprendizado. A “scientia” ocidental procura, ao contrário, definir seus parâmetros dentro dos quais opera a inclusão do que é aceitável no campo da normalidade, e a exclusão do inaceitável deste mesmo campo. Mas ao excluí-los, é preciso estudá-los conscientemente. Os psiquiatras criam toda uma terminologia para designar o anormal. Krafft-Ebing estuda os zoófilos e os zooerastas; Rohleder trata dos auto-monossexuais. Surgem expressões como mixoscofilos, ginecomastas, presbiófilos sexoestéticos e mulheres dispareunistas. Cada uma destas perversões corresponde à identificação de um conjunto bem articulado de sintomas. A normalização do sexo implica, desta maneira.
As práticas de controle da sexualidade produziram violências que ainda hoje se reproduzem em sociedades africanas e entre os muçulmanos, como a extirpação do clitóris na mulher, que teriam seu contraponto nas práticas sadomasoquistas até os dias de hoje. Segundo a historiadora britânica Geraldine Brooks, o costume da circuncisão feminina se originou na África Central na Idade da Pedra, seguindo para o norte do continente africano. No Ocidente, a circuncisão era utilizada como processo terapêutico até os anos 50. Médicos britânicos e norte-americanos praticavam a clitoridectomia e a castração feminina (retirada dos ovários) para enfrentar melancolia e ninfomania. Até o século 19, acreditava-se que as mesmas práticas “curavam” histeria, masturbação, lesbianismo e epilepsia.
A partir do século X, a Igreja se empenha em aprimorar seus instrumentos de controle e dominação. Dois séculos mais tarde, ao instituir a confissão, vê-se em condições de reger o íntimo. Para o bispo Étienne de Fougères, a mulher é portadora de mal. Ele repete com vigor no “Livre dês manières” (Livro das maneiras), composto entre 1174 e 1178. Escreveu-o em língua romântica, dirigido, portanto, aos membros da corte, aos cavaleiros e às damas. Trata-se de um longo poema – 336 estrofes, 1.344 versos -, sob forma de um sermão. Uma coleção de seis sermões, cada um deles referente a uma categoria social, sublinhando seus defeitos específicos e propondo-lhe um modelo de conduta. Esse homem de Igreja julga, define as infrações a fim de as reprimir, baseando-se na autoridade de seus antecessores (Marbode, o bispo Burchard de Worms, entre outros), e deste modo assentar solidamente, pouco a pouco, as regras de uma moral.
“A Igreja decidiu colocar a sexualidade sob seu estrito controle. Estava, então, dominada pelo espírito monástico. A maior parte de seus dirigentes, e os mais empreendedores, eram ex-monges. Os monges acreditavam-se anjos. Como estes, pretendiam não ter sexo e vangloriavam-se de sua virgindade, professando o horror à mácula sexual. Por conseguinte, a Igreja dividiu os homens em dois grupos. Aos servidores de Deus, proíbe servir-se de seu sexo; permite-o aos outros nas condições draconianas que decretou. Restavam as mulheres, o perigo, já que tudo giravam em torno delas. A Igreja decidiu subjuga-las. Com esse fim, definiu claramente os pecados de que as mulheres, por sua constituição, tornavam-se culpadas. No momento
A grande maioria das religiões, sempre preocupada com a elevação da alma, nunca soube muito bem o que fazer com o corpo. A preocupação do sexo é a manutenção da vida carnal. Nada a ver com a sublimação proposta pela religião, o sexo valoriza o instante ao invés da eternidade, o físico ao invés do espiritual, o imperfeito ao invés do perfeito. As sociedades matriarcais sempre encaram melhor essa contradição do sexo. A Terra, afinal, é útero (dela nasce a vida) e sepulcro (a ela retornam os mortos). Daí o sexo ser interdito para várias religiões e a arte erótica sempre ter sido razão de polêmica. Além de tentar provocar excitação sexual, a arte erótica tenta reproduzir, em imagens, os objetos do desejo humano. Ou reproduzir, meramente, o ato sexual. A religião confina a sexualidade à zona do secreto, criando a culpabilidade, a proibição. A essa zona onde a proibição dá ao ato proibido uma claridade opaca, ao mesmo tempo “sinistra e divina”, claridade lúgubre que é a da “obscenidade” e do “crime”, e também a da religião.
A partir de segunda-feira (dia 15) estarei de férias. Serão 15 dias. Volto no dia 01 de outubro quando estarei comentando a realidade virtual, o amor cortês, dadaísmo, trilha sonora e tantos outros temas de interesse geral. Até lá
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