No início o personagem fazia crítica de costumes, depois “aderiu” à política durante as cerca de 20 semanas em que foi publicado, segundo Ziraldo, sem que os editores de O Cruzeiro notassem as críticas ao regime militar. Essa militância de Jeremias acabou com adesão do cartunista da revista. Quarenta anos depois, sem os militares no poder, Ziraldo revisita o cotidiano daquele brasileiro sangue bom no cuidadoso álbum “Jeremias, o Bom” que a Melhoramentos coloca no mercado. São reedições de Jeremias com episódios que não saíram à época da ditadura militar. O lançamento da reedição de Jeremias, o Bom faz parte da inauguração do Jeremias, o Bar (no bairro da Bela Vista, São Paulo), uma homenagem do empresário Walter Mancini a Ziraldo, seu amigo. No bar haverá exposição permanente de desenhos originais de Ziraldo e de importantes cartunistas dos últimos 50 anos.
Na apresentação do álbum, Antonio Callado diz que Jeremias retrata o homem comum, de classe média, “espremido entre os bacanas e a ralé”. “Jeremias é um santo de gravata, o que é duríssimo. Tem mulher, tem sua contazinha bancária, protege crianças, leva até a mãe às boates e socorre os amigos estróinas. Tudo isso de colarinho, gravata, calça vincada e sapato engraxado num mundo de cabeludos e meninas de coxas de fora é fogo. Difícil mesmo é fazer o bem com dignidade, sem escândalo, sem se mostrar”.
Espécie de Dom Quixote, como compara Ziraldo em texto da nova edição do álbum (publicado antes pela Expressão e Cultura), Jeremias era flamenguista roxo, aceitava ficar de fora de uma pelada, mesmo sendo o dono da bola, e, dizem, era tão bom, tão bom, que nem causou dor a sua mãe ao nascer. Era o lado comportamental, de crítica de costumes. Na curta fase política, Jeremias aparece num festival de música, aplaudindo um cantor parecido com Geraldo Vandré, autor de “Pra Não Dizer que Não Falei de Flores”, e ainda participa de passeata estudantil ou ajudando agricultores nordestinos a assistirem a uma missa clandestina do ex-arcebispo Pernambucano Dom Hélder Câmara, o “bispo vermelho”, como era conhecido.
A história de Jeremias é tão intensa quanto curta: a figura que marcou época a partir de1965, morreu em 1969. Uma figura de terno escuro e sempre impecável, sapato engraxado e brilhante. Sua elegância se traduz no comportamento: Jeremias é sempre polido com todos, cuidadoso ao extremo. Ele é aquele cara que sempre vai para o gol, para evitar discussões. Ou mesmo de tanto comprar dropes de crianças nas ruas - Jeremias seria incapaz de fechar o vidro ou ignorar um apelo de um menino pobre -, acabou tornando-se diabético. Chega ao cúmulo de ter sua residência assaltada e sua reação inesperada é fazer o miserável do ladrão jantar. Um alerta ou uma cutucada sobre questões tão comuns no cotidiano brasileiro
O personagem de Ziraldo é o símbolo de uma brasilidade esquecida, simboliza o bem, a gentileza e a cortesia esquecidos nas delegacias, nos porões de tortura e nos ambientes profissionais. Um clássico do humor gráfico. Passando da crônica de costumes aos temas políticos, ele vive muitas situações, sempre mostrando porque é conhecido como o Bom. Não "o bom" de espertalhão, aproveitador, mas o bom solidário, prestativo, amigo, enfrentando tudo com uma abnegação silenciosa e rendendo-se mudo à sina de ajudar parentes, colegas de trabalho e desconhecidos. “O Jeremias é tão bom que pode ajudar as novas gerações a ir descobrindo o Brasil", afirmou seu criador.
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