12 setembro 2007

Linguagem sexual (4)

O assunto de hoje é a linguagem para o sexo. A retórica é a técnica de convencer o interlocutor através da oratória, ou outros meios de comunicação. Classicamente, o discurso no qual se aplica a retórica é verbal, mas há também — e com muita relevância — o discurso escrito e o discurso visual. A retórica é a arte de bem falar, de mostrar eloquência diante de um público para ganhar a sua causa. Isto vai da persuasão à vontade de agradar: tudo depende (...) da causa, do que motiva alguém a dirigir-se a outrem. O caráter argumentativo está presente desde o início: justificamos uma tese com argumentos, mas o adversário faz o mesmo: neste caso, a retórica não se distingue em nada da argumentação. (...). Para os antigos, a retórica englobava tanto a arte de bem falar - ou eloquência - como o estudo do discurso ou as técnicas de persuasão até mesmo de manipulação. Na questão do sexo, saber abordar ou convencer é uma técnica bem específica.

A exclusão do outro opera através da marginalização da mulher. A relação entre a exclusão com base na nacionalidade, etnicidade e/ou raça, e a exclusão com base no gênero explicita, mais uma vez, a complexidade dos sistemas de classificação social e orientação sexual. A utilização da imagem da mulher para simbolizar o sexo frágil em relação ao homem é notório. Não é à toa que o início da fotografia a imagem de uma mulher quase nua, e não a de um homem era muito explorada. Além da submissão e exploração do sexo, muitos estudos têm enfatizado a relação entre a submissão dos povos das Américas, da Ásia e da África, e a submissão das mulheres. A relação entre ciência e dominação dominou no século passado.

O historiador de Berkeley, especialista em historia social e da medicina, Thomas Laqueur analisou em seu livro “Inventando o Sexo – Corpo e Gênero dos Gregos a Freud”, a invenção cultural da bipolaridade sexual humana. Nem sempre, dizia ele, concebemos os seres humanos divididos em dois sexos com características próprias. Até as últimas décadas do século 18, a medicina só admitia a existência de um sexo, o masculino. O que, atualmente chamamos de sexo feminino era visto como um sexo masculino “frio” e “invertido”. Ou seja, a mulher não possuía o mesmo “calor vital” do homem, e, por isso, seu sexo não se desenvolvia para fora, mas para o interior do corpo: o útero era o escrito, os ovários, os testículos, a vulva, o prepúcio, e a vagina, o pênis.

A medicina ocidental do século 18 não podia representar a sexualidade humana como dividida, originalmente e de forma bipolar, entre sexualidades masculina e feminina. O modelo científico dominante era o modelo do sexo único. O modelo, inspirado na filosofia neoplatônica de Galeno, via a mulher como um homem invertido e inferior. Invertido porque seus órgãos sexuais eram os mesmos dos homens, só que voltados para dentro. Inferior porque a mulher era concebida como um homem imperfeito, a quem faltavam a força e a intensidade do calor vital, esse último responsável pela evolução do corpo até a perfeição ontológica do macho.

Durante séculos a cultura judaico-cristã teria afirmado a idéia de que homens e mulheres tinham os mesmos genitais – os das mulheres seriam voltados para dentro, porque mal formados. Assim, no século 16, a ideologia dominante na Europa era a do sexo único. Deus criou o homem à sua imagem, dizia a cristandade. A mulher era vista como cópia anatômica piorada do homem. Essa visão não se dissipou até a Revolução Francesa. O interesse por provas fundadas na constatação realista ocorreu quando, politicamente, virou interesse burguês demarcar distância dos postulados da Igreja. O domínio burguês dotou o Ocidente de uma visão biologizante, reforçando a idéia de diferença entre os sexos. O biológico se contrapunha à explicação teológica. Passou a associar a idéia do sexo à do gênero (masculino e feminino). Mas o raciocínio biológico começou a ser usado para reforçar o sexismo, a noção de inferioridade feminina: sua constituição física frágil seria por natureza carente de tutela. O sexo volta a reproduzir as predileções da hegemonia cristã: pensando para a reprodução, tendo o homem como dominante. É o auge do esforço científico de comprovar a inferioridade do corpo feminino.


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