26 janeiro 2007

Música & Poesia

Fortaleza (Chico Buarque e Ruy Guerra. Para a peça Calabar )

A minha tristeza não é feita de angústias
A minha tristeza não é feita de angústias
A minha surpresa
A minha surpresa é só feita de fatos
De sangue nos olhos e lama nos sapatos
Minha fortaleza
Minha fortaleza é de um silêncio infame
Bastando a si mesma, retendo o derrame
A minha represa



Planos de Igualdade (Cid Seixas Fraga Filho)

Cada coisa que existe,
na outra, busca igualdade
(até mesmo a mentira
se encontra na verdade).

Da mesma forma que um homem
se difere de um rio,
as vidas de ambos semelham:
tomadas como um fio.

Difícil é o distinguir,
nas não palavras que dizem,
quando eles se parecem
e quando se contradizem.

Enquanto vivos, os rios
se alongam até o mar;
do mesmo modo, os homens
vivem a se alongar.

Correm num mesmo sentido
Todos os rios que sei;
Podem voltar, no entanto,
Contrariando esta lei.

Para voltar, eles viram
o rumo para nascente;
da mesma forma, os homens:
para voltar, viram a frente.

Em alguns casos, os homens
podem andar para trás
(para trás da sua frente);
isto o rio também faz.

Os homens só andam assim
em caso extraordinário;
como os rios podem faze-lo,
quando encontram adversário.

Se um rio encontrar outro rio
de mais forte correnteza,
ou mesmo uma enxurrada,
recuará – com certeza.

Os rios, como os homens,
têm psicologia:
águas também têm alma
e momentos de covardia.

Depressa os rios vencem
terras que vão em descida;
por semelhar com os homens,
esbarra qualquer subida.

Qualquer entrave estanca
o cainho de um rio
(vezes, prepara revanche,
ofendido no seu brio).

É na terra que os rios
encontram a sepultura:
mortos em forma de poça
de muito pouca fundura.

Este chão é para os rios
campo, leito e abrigo
(quando a vida é difícil,
pode tornar-se inimigo).

Porém, esta mesma terra
que às vezes lhes sepulta:
quando o rio é rico em água,
em leito constante resulta.
(Do livro “Paralelo entre homem e rio/Fluviário. Imprensa Oficial da Bahia, 1972)

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