16 janeiro 2007

Idolatria dos vilões começou na Itália

Os ventos da mudança vieram da Europa e, em seguida se espalharam pela América. Primeiro aconteceu na Itália. Criado em 1962 por uma dupla de roteiristas italianas, as irmãs Ângela e Luciana Giussani, Diabolik o homem dos mil disfarces é uma mistura de vários clichês do gênero policial, vestido com uma malha colante negra que só deixava à mostra seus olhos e sobrancelhas. A diferença marcante, porém, é que Diabolik, ao contrário de bandidos galantes que quase nunca assassinavam suas vítimas não tinha o menor pudor de se valer dos crimes mais bestiais para roubar e saquear. Ele construía seus roubos em cima de cadáveres, aterrorizando e enlouquecendo suas vítimas. A atração do público foi quase imediata. De mensal a revista passou para quinzenal em 1964. Começava uma verdadeira onda de idolatria a este tipo de personagem, com imitações famosas de Diabolik como Sadik, Kriminal e Satanik. No início dos anos 70, a Editora Brasil América Ltda (EBal) adquiriu os direitos do personagem, mas desistiu de lançar a revista por considerar suas aventuras muito violentas. Em 1981, a extinta Editora Vecchi lançou uma edição mensal do personagem que durou cerca de um ano. Em 1990, a Editora Record investiu na revista.

Ainda na Itália, no final dos anos 70, outro personagem fez furor nos quadrinhos: o raivoso, apaixonado e cibernético Ranxerox, que usa brinco na orelha esquerda e fala muito palavrão. O alucinado robô faz de tudo para proteger sua amada – uma ninfeta de 13 anos. Desde o mais carregado clima de violência, misturando pancadarias, sexo, drogas e rock and roll, até os mome
ntos de demência do ciberpunk italiano, tudo é motivo de delírio nos textos de Stefano Tamburini (que morreu vitima de uma overdose) e nos belíssimos desenhos de Gaetano Liberatore. OI estilo de Liberatore e a crueza dos temas de Tamborini deixaram um legado aos desenhistas de HQ. O gibi espelha o espírito da década de 80.
Com a morte do ditador Franco, veio a liberação política, o fim da censura e do isolamento cultural. A Espanha redescobriu o mundo e hoje Barcelona é a capital da nova HQ espanhola. O desenhista espanhol Daniel Torres criou, em 1982, Opium, um sofisticado vilão oriental que se veste como Mandrake e não se vale de meios-termos. Ele encarna a essência da crueldade e do sadismo para colocar Mundópolis sob seu jugo, com seus asseclas, a fêmea fatal Acapulco Gin e o gigante careca e barbudo Gulp. Torres utiliza o tom debochado com requintada tendência gráfica de traços preciosos, limpos e bem definidos no melhor estilo “ligne claire”.


Faces de uma mesma moeda corrompida

Os anos 80 foram violentos e os vilões roubaram as cenas dos heróis americanos. O rei do Crime, recriado por Frank Miller, passou por transformações significativas. Coringa é o personagem de maior impacto nas aventuras de Batman. O Anti-Monitordeu fim ao Flash e Super-Moça. John Byrne mudou a trajetória de Lex Luthor – ele cometeu um crime perfeito e continua solto. Os vilões estão gozando de um bom status entre os leitores. Há uma nova geração de roteiristas que têm colocado os bandidos em primeiro plano. E os leitores apóiam. Sinal dos novos tempos.

Frank Millerr, junto com Bill Sienkiewicz, produziu uma HQ de suspense psicológico, temperado com espionagem, ocultismo e humor negro, para contar a história da ninja Elektra Assassina. Coringa mata, no Oriente Médio, sem piedade, o segundo companheiro de Batman, Jason Todd, o Robin. Tudo isso sob o aplauso do público leitor que, em massa, ligou para a editora pedindo a morte do pupilo Robin.. Ainda o psicopata palhaço do crime ao lado de supercriminosos como Duas Caras, Chapeleiro Maluco, Cara de Barro e outros assumem o comando do sanatório Arkhan Asylum, onde estão presos e fazem os funcionários reféns. Exigem a presença de Batman para libertá-los. O Morcego aceita, para se arrepender até a morte. Cada insano que Batman encontra esmera-se em torturas psicológicas. Para eles, não há diferença entre os internos de Arkhan e o herói. São faces de uma mesma moeda corrompida. A graphic novel tem arte de Dave Mckran (o mesmo de Orquídea Negra) e roteiro de Grant Morrison. Esse mesmo tema foi abordado na premiada A Piada Mortal.

No Brasil, os quadrinhos progressivos, que espelham a realidade da sociedade atual, estão circulando via underground, à margem, pelos milhares de fanzines espalhados pelo país. Um ótimo exemplo disso é o trabalho de Marcatti, só para gente com estômago forte. Taras, sujeira e larvas infestam seus quadrinhos. Basta conferir pelos nomes dos seus gibis: Lodo, Tralha. Outro bom exemplo é o cartunista Angeli, com suas tiras diárias, gags pinçadas na boemia dos bares paulistanos e nos resquícios de ativismo político. Ele criou Bob Cuspe, personagem que não escolhe vítimas para seus ataques salivares. Série Vilões-2. Reportagem publicada originalmente no jornal A Tarde 05/05/1991 (Gutemberg Cruz)

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