09 janeiro 2007

Humor gráfico na Bahia (2)

Pouco se escreveu a respeito das obras gráficas baianas. Com exceção de esparsos ensaios na imprensa, quase sempre insuficientes, nada lemos sobre o nosso grafismo. Apenas dois livros que publiquei nos anos 90 traçam um pouco da trajetória: O Traço dos Mestres e Feras do Humor Baiano. A pouca importância da obra gráfica vem do preconceito que muitos estudiosos de arte alimenta, pelo desenho e pela gravura pois esses estudiosos só admitem obras de parede, em vistosas molduras a óleo. As obras gráficas, muitas delas de autênticos valores sociais e culturais, ficam no esquecimento total.

O que muitos não sabem é que a maioria dos grandes nomes da pintura realizou-se primeiro no desenho, na gravura. Relegar a obra gráfica desses artistas a um segundo plano é desconhecer por completo os caminhos percorridos, muitas vezes com maior acerto e determinação do que na obra pictórica. O mestre Raimundo Aguiar, ou K-Lunga, foi um exemplo. Até hoje somente a sua pintura foi considerada. Sua obra gráfica, de interesse ilimitado, permanece em um segundo plano, cercado por um silêncio constrangedor. O mesmo podemos dizer dos trabalhos de Nicolay Tischenko, Sinézio Alves, Fernando Diniz, Álvaro de Barros entre outros. Há nos desenhos desses humoristas uma preocupação em retratar o homem no seu cotidiano, sua vida social.

Para os leitores mais novos, é bom lembrar que no dia 25 de setembro de 1968, a Bahia começou a participar do movimento de estudo das histórias em quadrinhos com a fundação do Clube da Editora Juvenil, assim denominado em homenagem aos primeiros gibis juvenis. Junto com alguns jovens resolvemos difundir o hábito de ler e analisar os quadrinhos no Brasil. Lançamos nossas pesquisas no fanzine Na Era dos Quadrinhos. Foram publicados 37 números: de julho de 1970 a julho de 1973, na sua primeira fase em mimeógrafo. Outra atividade do Clube era realizar exposições, palestras, seminários e debates nas escolas e bibliotecas.

Foi com o Na Era que surgiram as primeiras manifestações conscientes no sentido de se construir HQ autenticamente nacional - e popular. O quadrinho baiano tomou fôlego com o surgimento do tablóide A Coisa, do jornal Tribuna da Bahia. A Coisa foi um seguimento natural do Na Era e tinha como meta principal “uma maior valorização do autor brasileiro e em particular baiano”. “Pretendemos também – dizia o editorial -, divulgar e abrir novas perspectivas aos humoristas e desenhistas que ainda não tiveram oportunidade de publicar seus trabalhos”. Em pouco tempo o suplemento revelou novos cartunistas e desenhistas de quadrinhos.

O suplemento da Tribuna, aberto para os novos desenhistas, aproveitou uma percentagem expressiva, com experiência que abriu novas possibilidades para a pesquisa temática ao nível gráfico. Seu lançamento serviu para aproveitar vários desenhistas que antes apenas trabalhavam em outros setores. Jorge Silva, Carlos Ferraz, Romilson Lopes e Péricles Calafange foram as revelações em termos de quadrinhos. Lessa e Aps (Anildson Pereira dos Santos) tinham base ca
rtunística e colocaram de maneira implícita a relação quadrinho/cartum.

Jorge Silva de Oliveira, vindo da publicidade e interessado pela figuração narrativa desde pequeno, investe no mais puro domínio do experimentalismo. Estruturalmente mais dinâmico (pelo que representam as imagens e a colocação dos planos numa página) o desenho de Silva nos parece mais inventivo, grandioso, em alguns momentos voltando ao clássico de uma maneira nova. O “travelling”, o contracampo cinematográfico e os cortes conduz psicologicamente o leitor para o desfecho, numa alta temperatura gráfico visual.

Enquanto Silva trabalha com uma surpresa formal, Carlos Ferraz reforça de maneira considerável o enriquecimento de certas cenas. Em termos narrativos e/ou criativos há uma rara beleza no interior dos planos quer seja na sua obra sobre a diluição da Terra, do garoto de surf ou do futuro. Tanto Silva como Ferraz trouxeram uma grande inovação formal. Antes a maioria dos desenhistas contentava-se em desenhar as cenas de frente. Silva e Ferraz introduziram o uso de tomadas de campo e contracampo, estudando o enquadramento, o que fez surgir a elaboração de um estilo narrativo mais denso. Péricles Calafange seguiu o caminho aberto pelos dois acima citados, mas com um se
ntido bastante apurado na visualização dos planos.

Surgiu em agosto de 1975, enfrentando diversos problemas com a censura e, por motivos internos do jornal, A Coisa foi reduzida a uma página até sumir, em março de 1976. Saíram 32 números, com muito humor, quadrinhos e informações. Durou oito meses, tempo suficiente para a reunião dos cartunistas e discussão de novas idéias e projetos. Em junho surgiu o nanico Coisa Nostra, com texto, cartuns e quadrinhos. "O importante - diziam os editores - é que o riso não fique na boca. Ele tem de dar uma chegadinha na consciência". Coisa Nostra durou apenas quatro números.

Em 1977, relançamos o Na Era dos Quadrinhos, desta vez impresso em off set, mas que só durou cinco números. Lutar pela colocação do quadrinho baiano no mercado, desenvolver a criação de historietas em Salvador e fazer uma avaliação das HQs feitas até aquela época foram objetivos do periódico, que serviu de estímulo aos criadores, visando o desenvolvimento da consciência quadrinhográfica.



O Clube de Quadrinhos, depois com o nome de Centro de Pesquisa de Comunicação, preparando estudos sobre quadrinhos, sua linguagem e importância, influenciou bastante a imprensa baiana a ponto de levar o tradicional jornal A Tarde, que antes só publicava estorietas estrangeiras, a abrir suas páginas aos nossos quadrinhos. E, não só A Tarde, mas a Tribuna da Bahia, Jornal da Bahia, Jornal de Salvador e O Mensageiro. Todos eles começaram a se interessar um pouco mais pelos nossos quadrinhos. Além disso, fazíamos palestras, debates nas escolas e bibliotecas sobre o assunto para que as pessoas pudessem apreender mais o sentido visual, a força da imagem nos meios de comunicação de massa. Era preciso saber ler os quadrinhos, sua linguagem específica e a sua importância no mundo.






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