17 novembro 2006

Música & Poesia

Debaixo D'água (Arnaldo Antunes)


Debaixo D'água tudo era mais bonito, mais azul, mais colorido
só faltava respirar, mas tinha que respirar.
Debaixo D'água se formando como um feto, sereno, confortável,
amável, completo, sem chão, sem teto, sem contato com o ar,
mas tinha que respirar, todo dia

Todo dia, todo dia, todo dia (2x)
Debaixo D'água por enquanto, sem sorriso, sem pranto, sem lamento,
sem saber o quanto esse momento poderia durar, mas tinha que respirar.
Debaixo D'água ficaria para sempre ficaria contente longe de toda
gente para sempre no fundo do mar, mas tinha que respirar, todo dia.

Debaixo D'água protegido, salvo, fora de perigo, aliviado, sem perdão
e sem pecado, sem fome, sem frio, sem medo, sem vontade de voltar,
mas tinha que respirar, Debaixo D'água tudo era mais bonito, mais azul
mais colorido só faltava respirar, mas tinha que respirar, todo dia.


Poema de Sete Faces (Carlos Drummond de Andrade)

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

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