Herói (Caetano Veloso)
Nasci num lugar que virou favela
cresci num lugar que já era
mas cresci a vera
fiquei gigante, valente, inteligente
por um triz não sou bandido
sempre quis tudo o que desmente esse país
encardido
descobri cedo que o caminho
não era subir num pódio mundial
e virar um rico olímpico e sozinho
mas fomentar aqui o ódio racial
a separação nítida entre as raças
um olho na bíblia, outro na pistola
encher os corações e encher as praças
com meu Guevara e minha coca-cola
não quero jogar bola pra esses ratos
já fui mulato, eu sou uma legião de ex mulatos
quero ser negro 100%, americano,
sul-africano, tudo menos o santo
que a brisa do Brasil briga e balança
e no entanto, durante a dança
depois do fim do medo e da esperança
depois de arrebanhar o marginal, a puta
o evangélico e o policial
vi que o meu desenho de mim
é tal e qual
o personagem pra quem eu cria que sempre
olharia
com desdém total
mas não é assim comigo.
é como em plena glória espiritual
que digo:
eu sou o homem cordial
que vim para instaurar a democracia racial
eu sou o homem cordial
que vim para afirmar a democracia racial
eu sou o herói
só Deus e eu sabemos como dói
Canção da moça de dezembro (Ruy Espinheira Filho)
A moça dança comigo
nessa noite de dezembro.
Na sala onde giramos
se alguém mais há não me lembro.
O ondear da moça ondeia
uma melodia ainda
mais doce que a da vitrola
— e uma alegria vinda
dessa doçura me envolve.
Cabe bem no meu abraço
esse perfume com que
vou girando e em que me abraso
em meus quinze anos (a moça
terá, talvez, dezessete
ou dezoito). Como a valsa,
a vida o melhor promete.
E já oferta: esse corpo
a cada instante mais perto.
Ao qual responde meu corpo,
como nunca antes desperto.
E a moça vai-me queimando
em seu hálito, afogando-me
nos cabelos, e nos olhos
luminosos siderando-me!
E eis que, dançando, saímos
além da sala e do tempo.
E dançando prosseguimos
sempre que sopra dezembro,
nos mesmos giros suaves,
nos mesmos ledos enganos:
eu, o antigo rapaz,
e a moça, morta há treze anos.
Nasci num lugar que virou favela
cresci num lugar que já era
mas cresci a vera
fiquei gigante, valente, inteligente
por um triz não sou bandido
sempre quis tudo o que desmente esse país
encardido
descobri cedo que o caminho
não era subir num pódio mundial
e virar um rico olímpico e sozinho
mas fomentar aqui o ódio racial
a separação nítida entre as raças
um olho na bíblia, outro na pistola
encher os corações e encher as praças
com meu Guevara e minha coca-cola
não quero jogar bola pra esses ratos
já fui mulato, eu sou uma legião de ex mulatos
quero ser negro 100%, americano,
sul-africano, tudo menos o santo
que a brisa do Brasil briga e balança
e no entanto, durante a dança
depois do fim do medo e da esperança
depois de arrebanhar o marginal, a puta
o evangélico e o policial
vi que o meu desenho de mim
é tal e qual
o personagem pra quem eu cria que sempre
olharia
com desdém total
mas não é assim comigo.
é como em plena glória espiritual
que digo:
eu sou o homem cordial
que vim para instaurar a democracia racial
eu sou o homem cordial
que vim para afirmar a democracia racial
eu sou o herói
só Deus e eu sabemos como dói
Canção da moça de dezembro (Ruy Espinheira Filho)
A moça dança comigo
nessa noite de dezembro.
Na sala onde giramos
se alguém mais há não me lembro.
O ondear da moça ondeia
uma melodia ainda
mais doce que a da vitrola
— e uma alegria vinda
dessa doçura me envolve.
Cabe bem no meu abraço
esse perfume com que
vou girando e em que me abraso
em meus quinze anos (a moça
terá, talvez, dezessete
ou dezoito). Como a valsa,
a vida o melhor promete.
E já oferta: esse corpo
a cada instante mais perto.
Ao qual responde meu corpo,
como nunca antes desperto.
E a moça vai-me queimando
em seu hálito, afogando-me
nos cabelos, e nos olhos
luminosos siderando-me!
E eis que, dançando, saímos
além da sala e do tempo.
E dançando prosseguimos
sempre que sopra dezembro,
nos mesmos giros suaves,
nos mesmos ledos enganos:
eu, o antigo rapaz,
e a moça, morta há treze anos.
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