06 novembro 2006

Cecília Meireles e a reinvenção da vida


Há 105 anos, no dia 07 de novembro, nascia no Rio de Janeiro a grande poetisa brasileira Cecília Meireles. Ela surgiu na literatura sob o signo do Parnasianismo. Eram dos últimos anos da adolescência os sonetos reunidos em 1919 num livro, “Espectros”, que seria banido da obra ceciliana já a partir do livro seguinte. Houve silêncio da crítica a respeito de suas estréia. O motivo: ela cometia a temeridade de viajar contra a corrente estética e a visão social predominantes naqueles agitados anos. Começara parnasiana, numa hora em quer o Parnasianismo agonizava. Derivara para o Neo-Simbolismo justamente quando se espraiava a onda do Modernismo.

Filha de um modesto funcionário de banco e de uma professora municipal, Cecília destacou-se nos estudos desde os primeiros anos e tornou-se professora tempos depois. Mas seus interesses estavam voltados pelo estudo de línguas e música e pela cultura oriental. Ela não conheceu o pai (que morreu muito jovem, três meses antes do seu nascimento), e ficou órfã de mãe aos três anos de idade. Foi então entregue aos cuidados da avó materna, D.Jacinta, natural dos Açores, que emigrou cedo para o Brasil, mas manteve a alma sempre fiel ao arquipélago distante, transmitindo à neta muito desse legado.

Cecília cresceu em estreito contato com a cultura da saudade, a nostalgia, o apego às tradições religiosas e à imagem das ilhas como uma espécie de paraíso terrestre: exílio, solidão e misticismo. A música, o canto e a literatura disputavam a vocação da adolescente, que rapidamente se decidiu pela última.

Os livros “Nunca mais... e Poemas dos Poemas” (1923) é de inspiração neo-simbolista e “Baladas para El-Rei” (1925), marcada pela mística ansiedade. Em 1930, Cecília começa a escrever em jornais do Rio de Janeiro sobre educação, folclore e literatura infantil. Em fins de 1934, visita Portugal, em cuja tradição se adentram suas raízes. As novas aquisições da arte de Cecília Meireles se concentram na coletânea de “Viagem”, que em 1938 é distinguida com o prêmio da Academia Brasileira de Letras. A premiação da obra era de fato de extrema singularidade, pois pela primeira vez se concedia a um artista de corrente renovadora uma láurea acadêmica. Modernidade, intenção renovadora, universalidade, mas, ao mesmo tempo, tradição, equilíbrio, casticismo: assim se marcava a voz diferente que se erguera na poesia brasileira.

Transitando do mundo interior para o mundo das concreções, abriam-se os olhos do poeta para novas impressões que se transmudavam em canto: daí a busca da musicalidade, a variação melódica observada de poema para poema, como este “Motivo”: “Eu canto porque o instante existe/e a minha vida está completa/Não sou alegre nem sou triste:/sou poeta//Irmão das coisas fugidias,/não sinto gozo nem tormento./Atravesso noites e dias/no vento.//Se desmorono ou se edifico,/se permaneço ou me desfaço,/-não sei, não sei. Não sei se fico/ou passo.//Sei que canto. E a canção é tudo./Tem sangue eterno a asa ritmada./E se um dia sei que estarei mudo:/- mas nada”.

De 1939 a 49, publicam-se os quatro livros que enfeixam as linhas típicas da poesia ciciliana: “Viagem” (39), “Vaga Música” (42), “Mar Absoluto e Outros Poemas” (45) e “Retrato Natural” (49). Elementos pré-modernistas e manifestações neo-simbolistas estão nesses livros. Em 1952 ela retomou o verso livre em “Doze Noturnos da Holanda”. Em 53, “Poemas Escritos na Índia”, que só publicariam nove anos mais tarde. Ainda em 53, lança “Romanceiro da Inconfidência”, considerada sua obra mais depurada e madura. O lírico-abstrato veio com “Canções” (56) e “Metal Rosicler” (60). A abstração da linguagem e a insistente indagação estão presentes em “Solombra”.

As viagens pelo mundo resultaram em belíssimos poemas de circunstâncias. É nos anos 40/50 que ela atinge a maturidade literária. Na sua poesia encontram-se a habilidade artesanal, o domínio das formas e sonoridades e a especial predileção pelo introspectivo e as atmosferas vagas, etéreas. A atmosfera de sua obra é de serenidade, silêncio, suavidade e alegria, sempre em comunhão com a natureza, por retratar as coisas comuns, e essa característica múltipla manifesta-se num momento mágico.

Injustiçada em vida, teve, após seu desaparecimento (em 09 de novembro de 1964), o mérito reconhecimento pelo conjunto de sua obra, quando lhe foi atribuída pela Academia Brasileira de Letras o Prêmio Machado de Assis, em 1965. A partir da década de 70, seus poemas foram musicados por cantores de renome nacional. Hoje, mesmo sendo considerada a maior poeta na língua portuguesa, sua poetisa já não exerce a mesma atração, especialmente nos mais jovens. Mesmo assim ninguém pode negar o valor e o brilho de sua obra. “O pensamento é triste, o amor insuficiente;/a vida, a vida, a vida só é possível/reinventada”.

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