06 junho 2022

Um pensador corsário: Pasolini

 

Poeta, romancista, tradutor, pintor, jornalista, teatrólogo, editor, crítico de arte, articulador e cineasta. Píer Paolo Pasolini (1922/1975) viveu absolutamente imerso na realidade de seu tempo. Accattone (1961), Mamma Roma, A ricota (1962) habitam a periferia romana. Em vez de tratar a periferia como caso de polícia, vê essa periferia como um lugar onde se vive outra história, outro tempo, outros valores. Em 1964 ele já anunciava uma mudança profunda na sociedade italiana. A Italia humanista achava-se em vias de desaparecer. A nova Itália só pensava em produzir e consumir. Em lugar da diversidade ocorre um empobrecimento generalizado.

 


O cinema lhe servia para dar forma a uma posição determinada diante do mundo. Posição de esquerda, porém fora da esquerda oficial. Libertária do ponto de vista sexual, provocativa em política, conservadora na religião. Ele queria captar o discurso do povo e não fazer um discurso sobre o povo. Seus filmes mostram a disposição de encontrar essa força primitiva que viria dos estratos populares, livre de contaminação da cultura de elite. Forças primais, as forças da saúde – o sexo, a fome, o riso, o prazer em todas as suas formas, mesmo as mais escatológicas.

 


Contra o materialismo burguês, o senso metafísico e o irracionalismo religioso em O Evangelho Segundo São Mateus (1964) onde o mítico, o épico e o sagrado se revelam. É o cinema de poesia. A crítica política em Gaviões e Passarinhos (1966) era a tentativa de diálogo entre as classes. Segue filmes aristocráticos e difíceis como Édipo Rei (1967), Teorema (sexualidade que vem desarranjar a sonolenta estabilidade da família burguesa-1968), Pocilga, Medeia (1969) seriam buscas de salvação na luta de classe sem-fim.


 

Mais tarde segue a trilogia da vida: Decameron (1971), Os Contos de Canterbury (1972) e As Mil e Uma Noites (1974) baseados em grandes obras da literatura universal. A monstruosidade do novo homem italiano foi mostrada em Salô, os 120 Dias de Sodoma (1975). Era prazer a todo e qualquer custo. Não há por parte do diretor a menor intenção de agradar ao público. Trata-se de uma metáfora da relação do poder. Diante de tudo isso em 1975 Pasolini é trucidado. Sua morte trágica, brutalmente assassinado, não faz com que o escritor e cineasta desaparecesse de cena.

 

Quando vivo atacou, mais do que nunca, em todas as frentes. Fez cinema, escreveu ensaio, poesia e ficção, deu entrevistas nas televisões, jornais, conferências, sobre a falsa tolerância da sociedade de consumo, sobre o genocídio cultural executado pelo novo poder.

 


Pasolini nunca foi uma unanimidade, mas foi, incontestavelmente, um personagem decisivo da cena cultural italiana e não apenas da cinematográfica. Ele foi acima de tudo um agitador. Revolucionou – e talvez tenha convulsionado – a estética e a política. Passados mais de 45 anos de sua morte, definitivamente o mundo mudou. Seu raciocínio é a tese de que a política hoje exige pessoas desprovidas de vínculo com o passado, os que aceitam e assimilam com mais facilidade o cinismo, a mentira, a falta de conhecimento. Como o Brasil atual.

 

 

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