01 novembro 2013

Cinema descobre o índio (3)



O primeiro passo foi colocar na tela o choque de culturas, as relações entre os colonizadores brancos e os índios brasileiros (Como Era Gostoso o Meu Francês). O passo seguinte foi levar o espectador a se sentir como um índio através do processo de identificação cinematográfico. È a violência de um grupo contra outro na sociedade contemporânea (Uirá, um índio a procura de Deus). Depois mostra a vida de duas tribos, uma disputa nobre de coragem e força de guerreiro, de honraria e amizade ao estranho que visita uma aldeia em paz. Na cena final, um salto para a sociedade do homem branco (A Lenda de Ubirajara ). Este salto se repete (Ajuricaba, o rebelde da Amazônia) onde o índio, mudo, fica em cena, acorrentado pelo branco, se transforma num marginal.

Esses filmes usam o índio como uma representação do homem comum, usam o conflito entre colonizador e índios como uma encenação do sistema em que estamos vivendo. Representam o mecanismo social injusto em que todos estamos vivendo. Diante dos massacres de tribos inteiras do Xingu, da perseguição, da posse das terras e de todo tipo de torturas (da destruição, do genocídio ) tornou-se impossível não falar de índio. (Texto de Gutemberg Cruz Andrade publicado no 2o Caderno da Tribuna da Bahia de 07 de abril de 1978).  

Realidade Magica


Pela margem do grande rio caminha Jaguaré, o jovem caçador. Chegou a idade em que o mancebo troca a fama do caçador pela glória do guerreiro. Mas para ser aclamado guerreiro por sua nação e receber, então um nome de guerra, é preciso que Jaguarê vença um inimigo em combate de morte. Ele desce o rio e viaja toda noite... Assim começaA Lenda de Ubirajara, descrevendo a beleza natural, bem às margens do Araguaia. É o retorno do herói, explorando a figura do índio primitivo em seu estado de pureza cultural, seus valores e códigos ainda intocados.

No campo de batalha, Ubirajara avança para Itaquê. Sua bordura atinge com força mortal o velho guerreiro. Cambaleando, ele resiste à queda. Nesse instante, debruçando sobre a história, uma testemunha silenciosa observa a agonia do chefe de uma nação: o índio verdadeiro. Este,tornado branco, contempla um passado de guerra e o futuro em Brasília, ao  mesmo tempo presente. Nos seus olhos a perplexidade do fim. Atrás de si um novo limiar! O branco tornado índio, ocupado a terra prometida.Os planos finaisdisse  o critico de Última Hora, Clóves Marquesque mostram um índio verdadeiro, descendente pobre, aculturado e apático de Ubirajara, paralisado na paisagem moderna de Brasília, parecem dizer o que o resto do filme não disse: a marginalidade é  a impotência.

O Rebelde da Amazônica

Filmado na Amazônica a partir de reconstituições de fases do século XVIII, Ajuricaba aborda, fundamentalmente, o índio face ao colonizador. Indignados com a presença dos desbravadores portuguesesque ali estavam com o intuito de afastar  a linha de Tordesilhasos índios de Manaus passaram a oferecer forte resistência, liderados por Ajuricaba, que organizou uma espécie de confederação indígena e resistiu às tropas portuguesas por quatro anos.

No seu primeiro filme de ficção (inspirado numa lenda indígena, fez o documentárioAukê), o documentarista Oswaldo Caldeira foi inspirar-se na historia de Ajuricaba, o mítico guerreiro da tribo de Manaus, que levantou contra o invasor português. Segundo a lenda, Ajuricaba era capaz de se transformar em peixe e, durante anos, outros índios rebeldes se declaram continuadores dele. Isso   forneceu a Oswaldo Caldeira, o gimmick do roteiro: enquanto se narra a historia do guerreiro Ajuricaba, ele insere flashes de uma  situação contemporânea, em que os mesmo atores interpretam o que ele considera figuras semelhantes.
 
Ajuricaba agora é vitima de contrabandista, supostamente uma quadrilha intencional. O paralelo é evidente e não especialmente novo. O próprioUbirajara terminava com uma imagem de um índio atual sentado na praça dos três poderes em Brasília. queAjuricabavai mais longe, além de pretender denunciar o Brazilian Way de lidar com os nativos, que como disse alguém, não fazemos como os americanos que matavam os índios, nos simplesmente os deixamos morrer. Ajuricaba quer também denunciar a colonização cultural da amazônia, estrangulada pela Zona Franca que, enquanto a sustenta economicamente, aniquila suas raízes culturais.

A ação se passa quase inteiramente na floresta, com o índio rebelde aprisionado pelos portugueses, sendo conduzido a Manaus. E apesar de Ajuricaba ser o personagem que titulo ao filme, e o personagem de quem a câmara se ocupa mais demoradamente, os verdadeiros protagonista da narrativa são brancosem particular o capitão Belchior, o encarregado de defender a civilização, o lutador armado que o governo envia para prender o índio rebelde. Ajuricaba permanece todo o tempo calado. Mudo, fica em cena como uma testemunha, como  uma presença ameaçadora para o colonizador. Quem fala, quem se explica, quem diz o que pensa e o que pretende são os outros, o governador, o comerciante, o aristocrata e, sobre tudo, o capitão Belchior. O objetivo do filme é bem este, diz o critico José Carlos Avellar: levar o espectador a ouvir além das muitas vozes dos colonizadores tudo  aquilo que o índio Ajuricaba, acorrentado, cercado na floresta por um colonizador mais fortemente armado, não pode dizer. O objetivo é levar o espectador a ouvir o som do silêncio.Ajuricaba, o rebelde da Amazôniarecebeu o premio de melhor fotografia no Festival de Brasília.

O índio não foi, definitivamente, incorporado à nossa ideologia, embora a gente  fique repetindo que o brasil é formado de três raças. Isso é a maior balela do balão, e nós não pensamos realimente em termos de negro e índio. Nós pensamos em termos de branco. O índio mesmo, com sua perspectiva, seu ponto de vista, seu sistema politico e econômico, enfim é o que o Ajuricaba coloca com sua necessidade de liberdade e de espaço. Não lugar para pessoas diferentes no Brasil. Então, é difícil fazer filme de índio, como é difícil fazer filme de negro. Nós não sabemos qual é o lugar do índio na sociedade brasileira ele foi eliminado da nossa  história. Ninguém leu nada sobre índio, a gente um filme como o Ajuricaba, em que você acha finalmente uma posição pra esse índio, uma formula estética, social e politica para exprimir esse índio dentro da historia brasileira, eu acho que é um filme genial, sensacional. E o que falta pra gente, pensar o Brasil seriamente, injetar modelos que sejam realmente nossosdisse  o antropólogo Roberto da Mata numa entrevista ao jornalO globo. Segundo Caldeira,Ajuricabaé uma reflexão sobre o poder, do individual ao coletivo, em que se tentanão cometer nenhuma atentado contra a Antropologia.

O filme de Caldeira retorna o tema antes explorado por duas obras anteriores que exploraram a Amazônica, mitos, folclore e lendas:selva, de Márcio Souza, adaptado do romance de Ferreira de Castro, eIracema, de Jorge Bodanski, que antes de ser proibido, não provocou nenhum exibidor a lançá-lo no pais, talvez devido à corajosa visão do diretor sobre os problemas dos quais vivem marginalizados na Transamasônica.

Apoio da Embrafilme

Anchieta, Apóstolo do Brasilé o novo filme de Paulo César Seraceni, onde mostra José deAnchieta  lutando ao lado dos índios, defendendo os donos das terras, e criando de certa forma uma harmonia entre os índios e portugueses no século XVI. Paulo Thiago filma sua versão (ou superprodução) dabatalha dos Guararapese conseguiu convencer 100 índios verdadeiros, da Baia da Traição, para atuarem no filme. Thiago acha que a união de índios portugueses e brasileiros, contra os holandeses, foi aprimeira guerra de libertação do Terceiro Mundo.  Silvio Back, depois deA Guerra dos PeladoseAleluia Gretchen  parte para a confecção de um documentário longo sobre aRepúblicas Guarani, a utópica sociedade teocrática que se desenvolveu durante um século e meio, de 1610 a 1768, em 600 quilômetros quadrados ao longo dos rios Uruguai e Paraná, abrangendo 300 mil indios e 33 cidades dirigidas por quase uma centena de jesuítas.

A ideia de Back é realizar um realizar um levantamentoainda não feito no cinemadas implicações sociais e culturais que produziram as povoações jesuíticas nos atuais estados do Paraná  e Rio Grande do Sul além da Argentina e do Paraguai, o que, segundo ele, representaram a face mais regional e desconhecida da epopeia civilizatória do Brasil meridional e países da Bacia do Prata. O filme vai tentar fazer a apuração do que os índios e os Jesuítas transmitiram em 150 anos de convivência espiritual e social, e que significado tem hoje essa comunidade utópica que conseguiu conciliar o paganismo com o cristianismo, cultura paleolítica e civilização medieval.Quero descobrir algo do inconsciente coletivo que restou nas nossas cabeças e nas nossas ações, em nossa civilização.

E, com o apoio da Embrafilmepodendo significar a existência de umacultura dirigida, como acentua Jean Claude Bernadet -Juca Pirama,Oswaldo Cruz,Pedro Alves Cabral, entre outros , serão personagens das próximas produções . Quanto averdadeira História dos Bandeirantesde João Callegaro e Carlos Reichenback, cujo objetivo eradesmistificar, em certa medida, as abordagens históricomonumentalistas que tanto contribuem para fornecer uma visão distorcida de eventos e épocas passadas, foi recusado pela Embrafilme,sem explicações.
 

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