30 novembro 2010

Depressão, a doença do século

Até bem pouco tempo pairava uma enorme confusão sobre o que atualmente se conhece pelo nome de depressão. Confundida com as crises de tristeza naturais e passageiras, ora com a manifestação de algum recôndito mal orgânico, a depressão nunca fora abordada de forma correta pela medicina. Não se acreditava tratar-se de um tema da Medicina, mas sim da Psicologia e até da espiritualidade. Muitos pacientes eram tratados como portadores de uma doença mental e, portanto, candidato a choques elétricos num hospício. Outros eram submetidos a sessões de psicanálise que poderiam, durar décadas sem fornecer alívio.


Considerada a doença do final do século passado, a depressão pode ser diagnosticada pela ocorrência combinada de quatro ou mais sintomas típicos que, juntos, durem, no mínimo, duas semanas: insônia, irritabilidade, fixação no suicídio e perda de apetite. Assim, a depressão tem fundo orgânico e acomete de 10 a 15 milhões de brasileiros em alguma fase da vida. Preocupado com a extensão da patologia, um grupo de psiquiatras de São Paulo – depois de cinco anos de estudos – decidiu caracterizar a depressão como uma alteração da velocidade dos processos mentais (raciocínio, memória, atenção e cognição), que se tornam lentos, associados à diminuição do ritmo de vida. O doente abandona o trabalho, fica muitas horas deitado ou sentado e tem poucas atividades.


A psiquiatra Florence Kerr-Corrêa, junto com os psiquiatras Giordano Estevão e Carol Sonenreich lançaram no início dos anos 90 o livro “Debate sobre o Conceito de Doenças Afetivas”, no qual propõem um tratamento mais preciso para o fenômeno. O tratamento sugerido pelo grupo inclui o uso de antidepressivos voltados para a normalização da velocidade dos processos psíquicos e o uso da psicoterapia para a recuperação do ritmo de vida do paciente. Para o psiquiatra baiano César Romero, a depressão “está ligada ao relacional, ou seja, às relações interpessoais. As pessoas reagem depressivamente às situações no casal, no social, no familiar, no profissional e também na compreensão do seu próprio eu. Nessa compreensão do seu próprio eu, seria uma relação intrapessoal, enquanto as outras interpessoal. As pessoas se deprimem muitas vezes por não conseguirem atingir suas expectativas, por errarem e não aceitarem o próprio erro, por não conseguirem concluir metas, não serem suficientemente fortes, não buscam ajuda e apressarem-se até a exaustão”.


Segundo o psiquiatra, a depressão é uma emoção chamada tristeza. Que toda vez que a gente expressa através do choro, melhora. Em casos graves é necessário o uso de medicação, especialmente quando pensa em suicídio. É bom lembrar que a falta de credibilidade dos políticos atualmente, a corrupção infestando o país e a violência geral fazem com que as pessoas percam as esperanças e aumentam muito os casos de depressão. As relações humanas se deterioraram muito através dos tempos.


Num país em que a tristeza é um substrato forte da cultura nesses tempos de crise e alta taxa de desemprego, cresce cada vez mais a depressão na população. Que o digam seus poetas e compositores. Em “Circulado”, Caetano Veloso retrata a desconstrução de um país esquizofrênico, de realidades divididas. “A mais triste nação na época mais podre compõem-se de possíveis grupos de linchadores”, canta. Já o grupo Legião Urbana distribuiu doses melancólicas em seu disco V. Renato Russo compôs letras onde menciona drogas, tristeza e melancolia: “Antes eu sonhava, agora já não durmo”.

A partir dos anos 80 a depressão virou moda e cresceu o consumo de antidepressivos. A AIDS surgiu como nova causa orgânica da doença e aumentaram os fatores psicossociais que podem, levar alguém a ficar deprimido, como a perda do emprego, da posição social e do poder aquisitivo. Com a difusão da doença, expressões como “estar de baixo astral” ou “deprê” incorporaram-se ao cotidiano fomentando o modismo. Mas os médicos alertam a diferença entre a pessoa se sentir desanimada, triste, entediada, deprê pela depressão onde a pessoa não quer viver mais. Enquanto no estado depressivo passageiro a pessoa sozinha pode sair dessa situação, na depressão o doente não consegue, pois a doença o domina. O melhor tratamento é o acompanhamento médico com orientação familiar.


Quando se torna crônica, a depressão fere forte – e nos períodos de crise elimina toda a criatividade. Depressivos ilustres foram, por exemplo, o compositor russo Tchaikosvski, o presidente americano Abraham Lincoln, o filósofo marxista francês Louis Althusser, a escritora inglesa Virginia Woolf, o escritor mineiro Pedro Nava, o escritor Charles Bukowski, a atriz Marilyn Monroe e o romancista brasileiro Graciliano Ramos. O romancista e ensaísta norte americano William Styron (autor de A Escolha de Sofia) conta em seu livro “Perto das Trevas”, como se curou da depressão que quase o levou ao suicídio. No livro ele defende os remédios antidepressivos com cautela, as terapias e até a hospitalização em, casos extremos, como o dele. Aos que sofrem com a depressão, aconselha: “Aguente firme”.

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